Um amigo lembrava recentemente o cômico espetáculo das ‘Espartaquíadas’, a versão albanesa com que o ditador Enver Hohxa costumava confrontar as Olimpíadas do resto do mundo, especificamente em relação às categorias esportivas oferecidas aos competidores. Uma das mais estranhas era a ‘corrida’ de telégrafo. Alinhados em cabines, os ‘atletas’ disparavam mensagens que deveriam ser recebidas e decodificadas por seus companheiros no outro extremo da linha. A dupla que terminasse primeiro levava a medalha de ouro, que nem sempre continha exatamente ouro.
Certamente há metáforas mais apropriadas para exemplificar a importância da rapidez da informação sob qualquer regime político ou econômico, mas com certeza esta é uma das mais exóticas. Nunca se saberá o quanto Hohxa conhecia os riscos, para um regime forte, do apreço pela rapidez da informação, se ela não estiver sob controle.
Para os atuais donos da mídia, o risco da perda de controle sobre as fontes de informação é diretamente proporcional à capacidade de suas empresas sobrevirem num contexto cultural em que o individualismo egoísta convive com uma carência maior por sociabilização e convívio. Tudo isso se combina num entrelaçamento de redes sociais mais elaboradas, segundo o estudo do American Press Institute, o que aumenta as chances de uma imprensa mais aberta e participativa.
O poder das redes de relacionamento já se comprovou em muitos eventos modernos, desde a guerra civil nos Bálcãs, quando um internauta conseguiu atrair a atenção mundial para os massacres promovidos pelos sérvios, com uma simples mensagem via internet. A troca de imagens via e-mail, relatando atrocidades numa prisão americana no Iraque, pode mudar o curso da História. Dicas de funcionários inconformados podem colocar na cadeia presidentes de grandes corporações envolvidos com falcatruas contábeis. Manifestações instantâneas convocadas pela internet podem brotar nas grandes cidades e alterar o curso de uma votação no Congresso.
A economia em rede e a proliferação de novos meios estão produzindo um enorme desafio para as empresas tradicionais de mídia, no momento em que faltam fontes de recursos para novos investimentos. Jornais e emissoras de rádio e televisão têm que se adaptar não apenas em termos organizacionais, mas principalmente em termos de filosofia de negócio e de valores essenciais. Mas talvez um dos grandes desafios seja justamente como transformar seus produtos para que sejam aceitos como expressões sinceras de adesão ao contexto cultural mais aberto e resistente a manipulações e paternalismo.
Quem se arrisca a dizer como serão as futuras edições sobre disputas eleitorais, por exemplo? Quem sobreviveria, na imprensa brasileira, a um cenário como aquele que marcou a vitória de Fernando Collor de Mello?
As novas formas da mídia
Fóruns de discussão em grupo são considerados, pelos autores do estudo ‘WeMedia’ (http://www.mediacenter.org/mediacenter/research/wemedia/), como a forma inicial do jornalismo participativo.
Esses grupos de discussão nasceram, na era digital, nos antigos BBS (os bulletin board system) como o BBS Estadão, experiência pioneira de jornalismo online, anterior à internet com interface gráfica que conhecemos hoje. Depois, evoluíram para as conversações online nos chats, utilizados atualmente pela mídia tradicional para promover entrevistas e outros eventos. Os weblogs são a forma que se consolida, pela facilidade de se editar, os conteúdos em arquiteturas parecidas com as que caracteriza os jornais e revistas.
Os participantes podem se engajar num grupo de discussão para responder questões técnicas, trocar dicas ou opinar sobre um lance do último jogo de futebol. Listas de mailing, BBS e fóruns são métodos assincrônicos de comunicação, o que significa que os participantes não precisam estar online ao mesmo tempo para entrar em contato com a rede – e isso às vezes pode levar a contribuições mais relevantes do que o que costumamos ver nos verdadeiros bate-bocas online.
Desejo natural
No jornalismo participativo, os leitores-informadores têm a oportunidade dupla de interagir em tempo real num grupo que discute, informa e se informa sobre determinado evento, e pode posteriormente acrescentar uma contribuição mais ponderada e relevante.
Os jornalistas encarregados de conduzir o conteúdo para o segundo nível de elaboração têm os recursos tecnológicos para selecionar os melhores e mais freqüentes entre esses participantes, oferecendo a síncrona que permite definir melhor o contexto em que tal ou qual fato evolui. De quebra, o jornalista tem a oportunidade de consolidar novos círculos em sua rede de relacionamento.
O jornalismo participativo permite a criação de processos auto-corrigidos, em círculos que podem principiar em meras notificações e relatos primários, e se expandir até uma galáxia de novas interpretações e em geração constante de conhecimento. Um conhecimento disponível para todos os participantes ou simples observadores, democraticamente e sem limites. Parte desse conteúdo pode repousar depois em mídia impressa, pode se verbalizado em ondas de rádio ou ser recebido em aparelhos de televisão, telefones celulares, telas de cinema, retransmitido por sinais de fumaça ou outro meio que for imaginado.
A decantada criatividade dos publicitários também tem o desafio de encontrar o valor que possa ser explicitado e cobrado de quem queira expor sua marca e seu produto a essa constelação de seres humanos. Há um risco evidente nessa exposição, mas também uma enorme oportunidade para empresas que desejem sinceramente executar uma estratégia realista de pleno relacionamento com seus clientes – provendo em termos integrais o que se chama no mundo dos negócios de TCE (total customer experience). Note-se que os primeiros a aderir a novos processos de comunicação são geralmente influenciadores e formadores de opinião.
Com certeza, pelo perfil conservador que a caracteriza, a mídia tradicional enxerga esse novo mundo como uma grande ameaça. Os autores do ‘WeMedia’ alertam para a possibilidade de surgirem obstáculos à disseminação dessa nova maneira de relacionamento entre a imprensa e a sociedade, criados pela associação entre os conglomerados de mídia e seus parceiros criadores de tecnologia.
Uma barreira de direitos e patentes, por exemplo, pode inviabilizar a criação de uma rede de leitores-informadores. Tarifas especialmente desenhadas por encomenda de governantes avessos à ampla liberdade de informação podem também impedir a sustentabilidade de um negócio tão complexo e aberto. Mas a própria história da imprensa nos ensina que nada pode se opor permanentemente ao desejo natural do ser humano de se informar, criar conhecimento e se relacionar com seus semelhantes.
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Jornalista