Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Será possível um jornalismo financiado por todos nós? (parte 2)

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Um total de 56 projetos (9% das propostas) tinha relação com rádio e podcasts [aplicativos com gravações de áudio ou vídeo originais que também podem ser transmissões gravadas de programas de rádio ou televisão], embora predominassem nitidamente os podcasts (42 entre 56). As propostas de podcasts financiados vão de SoundWorks (um podcast quinzenal sobre arte e cultura da Public Radio International – PRI), que procura financiamento para lançar a segunda temporada de “One With Farai”, aos produtores de um podcast sobre futebol feminino, que queriam melhorar e expandir seu conteúdo; aos apresentadores de “The World’s Only Barbecue Podcast Hosted in a Car”, que solicitam financiamento para pagar seus convidados, assim como gasolina; aos apresentadores de um programa quinzenal sobre parques e locais históricos através dos Estados Unidos.

Entre os projetos de rádio que não são podcasts havia pedidos de financiamento para ajudar a manter funcionando uma entidade sem fins lucrativos, Alaska Teen Media Institute, para criar uma nova estação de rádio de baixa potência em Chicago e para expandir um projeto já existente no Reino Unido, transformando-o numa nova estação de radio comunitária.

Foram propostos 41 projetos de blogs, respondendo por 6% das propostas. A maioria, de pessoas, como aquela que escreve sobre comida e viagens e que quer expandir seu blog sobre o trabalho num pomar, ou o jornalista que procurava financiamento para viajar para Cuba e escrever em seu blog sobre as mudanças que ali vêm ocorrendo. Mas as organizações de mídia também se fizeram presentes – PolitiFact procurou apoio para sua ideia de fornecer checagem de dados instantânea do discurso de 2015 do presidente Obama sobre o Estado da União e a reação dos republicanos por um blog ao vivo.

As propostas financiadas também incluíram 25 projetos de fotojornalismo (4% deles, projetos examinados) e, também aqui, a maioria deles foi apresentada por pessoas individuais, como o fotojornalista freelancer que queria viajar para a Polônia e aprender sobre a vida de pessoas que vivem nos arredores de Auschwitz, ou o projeto da expedição de fotojornalismo que acompanharia a rota do projeto do Grande Canal da Nicarágua; e um jornalista freelancer que propunha uma viagem através dos Estados Unidos para entrevistar fotógrafos que teria como enfoque o trabalho nas prisões e o sistema de justiça penal.

Muito menos comuns – cada um representando 2%, ou menos, do total dos projetos de jornalismo financiados (31) –, estavam os jornais, os boletins, as revistas, os trabalhos de pesquisa e os apps. Entre a pequena porção de revistas financiadas (normalmente, auto-publicadas ou trabalhos originais destinados a pequena circulação), estava uma que analisava coletivos operários nas cidades de Minneapolis e Saint Paul. Os projetos de jornal incluíam um do Knoxville History Project, uma entidade sem fins lucrativos que procurava financiamento para lançar um semanário independente com fins lucrativos, o Knoxville Mercury, e relançar um jornal comunitário, The Betsie Current. Um app da iPhone examinava o genocídio da Armênia de 1915.

A variação dos tipos de projetos

Entretanto, nem todos os projetos examinados tinham como enfoque uma única mídia. Oitenta projetos – 12% do total – eram de caráter explicitamente multimídia. Num desses projetos, um jornalista propunha seguir a volta de um homem nascido na Líbia a seu país e fazer uma crônica de seus esforços para ajudar a reconstruir aquele país destruído pela guerra, produzindo reportagens em múltiplos formatos de mídia, o que abrangia impressos, um blog, uma apresentação de slides com áudio, fotografias e vídeos. Uma outra proposta de multimídia era de uma equipe de duas pessoas que pretendiam viajar através dos Estados Unidos, entrevistar pessoas que tivessem perdido seus empregos na recessão econômica e produzir uma longa história oral acompanhada por um filme.

Por fim, 5% dos projetos eram para algo que não se encaixava como uma publicação. Esse grupo abrangia coisas tão diversas como excursões literárias, viagens experimentais, eventos de treinamento, desenvolvimento de currículos, um projeto de tradução e projetos que buscavam financiamento para material de proteção (coletes à prova de bala e capacetes) para jornalistas que estivessem trabalhando em zonas de conflito.

Entre essas categorias, uma característica que se destaca – e bate de frente com boa parte do atual enfoque de atualizações de notícias segundo a segundo – é o jornalismo de matérias longas, que também tende a abordar os eventos de notícias de maneira mais ampla e profunda. O trabalho relacionado com revistas, livros e documentários respondeu por 43% dos projetos financiados pelo público. E várias outras categorias, como rádio/podcasts, revistas e blogs, também podem ter elementos analíticos mais longos.

Os produtores variaram nos tipos de projetos que apresentaram. Entre os tipos de produtores compostos por pessoas individuais prevaleceu a busca de financiamento para livros, que respondeu por 26% de seus projetos, enquanto entre outros tipos de produtores foi de 12% ou menos. Entre as organizações de mídia, por seu lado, prevaleceram os financiamentos para produtos relacionados a websites (que responderam por 29% de seus projetos, enquanto entre os outros produtores foi de 15% ou menos) e rádio/podcasts (17%, contra 6%, ou menos, entre os outros).

O peso do fator viagem

Embora o Kickstarter tenha sede nos Estados Unidos, ele permite que moradores de 18 países distintos [https://www.kickstarter.com/help/faq/creator+questions#faq_41823 e http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fn-53341-5] proponham projetos (16 países na América do Norte e na Europa, além da Austrália e da Nova Zelândia) – e 16% dos projetos financiados não receberam o dinheiro em dólares norte-americanos. Entretanto, 64% das propostas de jornalismo financiadas pelo Kickstarter foram para projetos a serem desenvolvidos dentro das fronteiras dos Estados Unidos, enquanto 34% serão desenvolvidos em países estrangeiros. Somente um pequeno percentual de propostas (2%) foi para projetos que deverão explicitamente ser desenvolvidos nos Estados Unidos e em outro (ou mais) país.

Os projetos com sede em países estrangeiros têm origem nos sete continentes – pelo menos 64 países, de Tonga ao Iraque e de Cuba à África do Sul, assim como os Territórios Palestinos. Depois dos Estados Unidos, o Reino Unido foi o país que teve mais projetos (53), seguido pelo Canadá, com 22. Os outros países variaram entre um e sete projetos.

Entre os tipos de jornalismo produzido pelos projetos, os documentários e os trabalhos de multimídia são os que provavelmente têm menos enfoque nos Estados Unidos, divididos entre estrangeiros e domésticos. Em relação aos outros, no entanto, os projetos com sede nos Estados Unidos são a maioria, com destaque para os trabalhos de áudio e livros – 77% e 70%, respectivamente.

O Centro de Pesquisas Pew também estudou as narrativas dos projetos (tanto texto, quanto vídeo) em busca de indícios que indicassem se viajar era uma característica fundamental da proposta. Se um projeto fosse descrito como sendo geograficamente baseado numa cidade, ou numa área ou região metropolitana, os pesquisadores concluíam que viajar não era essencial ao projeto. No entanto, se a descrição mencionasse especificamente vários lugares, ou estados diferentes, ou países diferentes, então viajar era considerado fundamental para o projeto. Usando esses critérios, viajar era um componente de 38% do total dos projetos de jornalismo financiados.

O fator viagem foi mais presente entre os projetos vindos do exterior do que os domésticos: 54% dos projetos internacionais de fora dos Estados Unidos incluíam viagens, enquanto entre os domésticos responderam por 29% [http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fn-53341-6].

Menos projetos e mais caros

As viagens também prevaleceram entre as pessoas individuais que produziram projetos (47%), e foram de 34% nos projetos de pequenos grupos, de 36% nas instituições e de 24% nos veículos e organizações de mídia.

Em muitos casos, as narrativas da proposta indicavam que o financiamento solicitado era em grande parte (senão exclusivamente) para cobrir despesas de viagem, hotel e gasolina. Por exemplo, um educador judeu que propunha promover pequenos encontros inter-religiosos procurava “financiamento para cobrir os custos de passagens aéreas, aluguel de carro e alimentação”, dois amigos que procuravam fazer um blog sobre a viagem que fizeram dos Estados Unidos ao extremo sul do Chile precisavam de financiamento para conseguir um barco que os transportasse, assim como seu caminhão, num trecho da viagem sem estradas. A escolar de Jornalismo da Universidade de Stony Brook teve sucesso em seu pedido de financiamento para enviar 16 estudantes ao Quênia, assim como o site TucsonSentinel.com, com seu projeto de enviar uma equipe de fotógrafos, editores, repórteres e programadores de informática para documentar a complexidade da fronteira entre o estado de Arizona e o México.

No total, os 658 projetos de jornalismo financiado recolheram um apoio de quase 6,3 milhões de dólares [cerca de R$ 25,8 milhões]. Com uma única exceção, em 2013, o financiamento aumentou de ano a ano. 52% do total – quase 3,3 milhões de dólares [R$ 13,5 milhões] foram levantados nos últimos dois anos (2014 e 2015).

Esses 6,3 milhões de dólares repassados ao longo dos seis anos e meio ultrapassaram o total de financiamento requisitado pelos projetos (4.907.136 dólares) em quase 1,4 milhão de dólares [R$ 5,7 milhões]. As quantias solicitadas variaram muito: desde 1 dólar (R$ 4,1) para um projeto de avaliação online de espetáculos, restaurantes e entretenimento em Las Vegas, até 100 mil dólares (R$ 410 mil) para a proposta feita pelo Civil Eats [http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fn-53341-7].

A maioria dos projetos (66%) levantou apenas uma pequena parcela além de seu pedido original – 124% do objetivo, sugerindo que os dólares excedentes foram gastos de maneira igual. Oito projetos atraíram um excedente de 500% do pedido inicialmente feito, com seis deles tendo objetivos iniciais de financiamento de 600 dólares [R$ 2.400] ou menos.

No total, projetos baseados em websites atraíram de longe a maior parcela da receita, de 1.829.451 dólares [R$ 7,5 milhões], ou 29% do total. Isso excede consideravelmente os 16% dos projetos pelos quais respondiam, o que significa que realizaram menos projetos, mas tenderam a custar mais caro.

Critérios que distinguem startups e expansões

As próximas categorias de projetos mais lucrativos foram as de revistas (1.029.438 dólares [cerca de R$ 4,2 milhões], ou 16% do total), de multimídia (950.800 dólares [cerca de R$ 3,9 milhões], ou 15% do total) e de livros (849.431 dólares [cerca de R$ 3,5 milhões], ou 13% do total); as parcelas de financiamento destas categorias estavam mais de acordo com a parcela de projetos pelos quais respondiam (20%, 12% e 16%, respectivamente).

Os projetos de jornalismo também expuseram uma ampla variação no total do número de apoiadores que conseguiram – de um único a 3,116, com um número médio de 54 apoiadores. A média de dinheiro arrecadado por projeto foi de 3.711 dólares, ou R$ 15.200 [http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fn-53341-8].

Também aqui há diferenças de acordo com o tipo de projeto, mas como mostra o gráfico abaixo, a tendência geral de mais apoiadores equivalendo a maiores quantias de dinheiro permanece verdadeira. A categoria relacionada a revistas, por exemplo, tinha em média 55 apoiadores e 3.498 dólares [R$ 14,3 mil] levantados por projeto, enquanto os projetos de multimídia contavam com 67 apoiadores e 5.126 dólares [R$ 21 mil]. Embora a categoria de website não tivesse o maior número de projetos, ela atraiu o maior número de apoiadores (94) e de dinheiro (6.028 dólares [R$ 24,7 mil]).

 

Journalism project types vary widely in amount pledged and number of donors

Observando a parcela do financiamento total fluindo para vários tipos de produtores, os projetos de pequenos grupos de pessoas atraíram a maior parcela (36%), ultrapassando ligeiramente os 29% de projetos pelos que respondiam. Os projetos de pessoas individuais, por sua vez, trouxeram uma parcela de financiamentos bem inferior (29%) à parcela de projetos (43%), enquanto as organizações de mídia ficaram mais equilibradas – 29% do total de financiamentos e 22% dos projetos.

O Centro de Pesquisas Pew estudou as descrições dos projetos individuais para determinar se eram trabalhos inteiramente novos ou se os projetos seriam mais adequadamente descritos como algum tipo de expansão de um projeto existente. Um projeto era considerado uma expansão de algo já existente somente se a narrativa, ou vídeo, registrasse especificamente uma entidade ou um trabalho verificável que se relacionasse diretamente àquela proposta. Por exemplo, um projeto relacionado a livros sobre os protestos de Wisconsin, que buscava financiamento para fornecer exemplares do livro (já escrito) a alguns senadores do estado era claramente uma expansão. Já no caso da proposta de lançar The Breeze, uma publicação gratuita a ser produzida pelos jovens de Central Vermont, tratava-se de uma startup.

Usando esses critérios, o Centro de Pesquisas Pew constatou que esses projetos financiados eram praticamente divididos entre startups e expansões (51% e 49%, respectivamente). Haveriam, porém, diferenças significativas (talvez não surpreendentes) entre quem tendia a solicitar financiamento para uma startup e quem procurava um financiamento para um projeto que já estava em andamento.

Financiamento em dólar e em outra moeda

O enfoque das organizações de mídia era muito mais voltado para os esforços de expansão já existentes (90% dos projetos). O Vancouver Observer, por exemplo, pretendia expandir sua cobertura de temas energéticos com o Tar Sands Reporting Project, e o International Policy Digest voltou-se para o financiamento coletivo para ajudar a crescerem as características interativas na homepage, assim como para iniciar um acordo de parceria com a agência France Presse. No entanto, a probabilidade das pessoas individuais, ou grupos, ou coletivos, era duas vezes mais provável de procurar financiamento parta startups do que para projetos já existentes: 63% de projetos individuais e 67% dos de grupos. Por exemplo, antes da eleição presidencial de 2012, um jornalista lançou um projeto de viajar pelos estados em que se define a eleição [swing states], falando com os moradores sobre suas opiniões com o objetivo de publicá-las em seu website; e uma pequena equipe procurou financiamento para lançar Gummie, a primeira revista urbana de Johanesburgo, África do Sul. Os projetos de jornalismo baseados em instituições foram os mais equilibrados, com 42% de startups e 58% de expansão. Os esforços de startups incluíram uma de uma escolar canadense procurando financiamento para mandar um estudante a um evento em que ele escrevesse um blog e outro de uma escola experimental, levantando um financiamento para um anuário para estudantes de ensino médio; os projetos de expansão incluíam uma atualização de jornal impresso para papel com brilho para uma recém-iniciada revista, assim como uma solicitação de financiamento para compensar um déficit no financiamento do campus para uma publicação estudantil.

Mesmo com o crescimento que teve a categoria do jornalismo no Kickstarter, ela continua sendo a menor entre as outras 14 categorias em vários níveis. Para comparar as várias categorias a serem financiadas, os pesquisadores precisaram confiar em dados disponíveis até 31 de agosto de 2015 ( e não 15 de setembro, como ocorre com o resto do relatório), pois esse foi o último dia em que dados relativos a todas as categorias foram levantados.

Durante esse período de tempo, o número de projetos de jornalismo propostos ao longo dos sete anos ficou atrás de todas as categorias com exceção de Dança, que teve ligeiramente menos propostas (2.858). E as categorias Música e Filme & Vídeo deixaram a categoria Jornalismo muito para trás, com mais de 40 mil propostas de projeto cada uma. No entanto, a categoria Dança foi a que teve maior êxito com o financiamento – 64% de todos os projetos, comparado com 22% do Jornalismo. Aqui, no entanto, o Jornalismo está mais em pé de igualdade com várias outras categorias, como Moda, Tecnologia e Artes & Ofícios. Em termos de dinheiro, o jornalismo está mais uma vez lá em baixo acumulando uma mixaria, se comparado aos mais de 350 milhões de dólares [R$ 1,4 bilhão] destinados a Jogos, aos cerca de 250 milhões de dólares [aproximadamente R$ 1 bilhão] destinados a Filme & Vídeo e aos 140 milhões de dólares [R$ 570 milhões] destinados a Música. Já a categoria Dança ficou próxima ao Jornalismo, com 8,6 milhões de dólares [R$ 35 milhões].

A grande maioria dos projetos (84%) solicitou o financiamento em dólares norte-americanos (554 dos 658 projetos). Para esta análise, os pedidos de financiamento feitos em outra moeda foram convertidos para dólares norte-americanos usando a cotação de 15 de setembro de 2015 do site Oanda.com. Os pesquisadores também analisaram o número total de financiamentos – solicitados e prometidos – em moeda estrangeira utilizando o índice de conversão mensal da OECD (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) correspondente ao mês em que os projetos foram aprovados no Kickstarter. A análise revelou que a diferença entre os dois métodos produzia uma diferença de apenas 1% no nível total de financiamento de todos os projetos [http://www.journalism.org/2016/01/20/crowdfunded-journalism/#fnref-53341-1].

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Nancy Vogt e Amy Mitchell são, respectivamente, pesquisadora de Jornalismo no Centro de Pesquisas Pew e diretora de pesquisas de Jornalismo no mesmo Centro