O Estado de S.Paulo trouxe à luz sua nova face neste domingo, 17. Não se pode fazer qualquer análise sobre os efeitos da mudança em longo prazo, pois toda vez que se realiza uma reforma gráfica em qualquer jornal investe-se muito mais do que o normal em conteúdo nas edições subseqüentes, por duas ou três semanas, até mesmo como estratégia para consolidar uma impressão favorável nos leitores. É para se esperar, então, se o diário paulista, depois de desovar algumas matérias encomendadas especialmente para a inauguração, poderá manter o fôlego por muito tempo.
Portanto, o que se pode dizer do ‘novo’ Estadão é que realmente ficou mais leve e mais bonito. O caderno ‘Economia & Negócios’ traz como novidade uma inusitada referência à exclusão social, em pauta sobre crescimento econômico, o que, se se configurar como tendência, terá significado realmente uma inovação.
Mas é no novo caderno ‘Aliás’, uma espécie de reflexão semanal que deverá circular aos domingos, que o novo Estadão se revela contemporâneo à linha que deverá marcar o jornalismo diário neste momento de relativo abrandamento da crise na mídia: um caderno de textos curtos apoiados em artigos de opinião ou análises de especialistas.
No mais, como anuncia o editorial, o mais tradicional dos nossos diários (não o mais antigo, mas o que por mais tempo preserva suas características de origem) está ‘mudando e continuando o mesmo’. A editorialização do noticiário segue acontecendo sem sutilezas, os articulistas continuam escrevendo como quem tem o jogo combinado, quase todos tendendo para o mesmo ângulo no espectro ideológico. E por trás de cada linha pode-se enxergar o olhar atento do seu atual mentor, Ruy Mesquita, que no expediente se faz nominar, modestamente, diretor.
A reforma gráfica lhe dá um aspecto mais homogêneo, no que acaba retratando o que é realmente o Estadão depois dos últimos cortes e das mudanças em sua diretoria. Transferida para um Conselho de Administração, a família Mesquita deixa progressivamente de instilar no diário as idiossincrasias pessoais de seus integrantes. Quem manda é o Dr. Ruy, e obedece quem tem juízo. Ou o temperamento adequado.
O lugar do contraditório
Mais do que atual, o novo Estadão é também um bom laboratório para observadores da mídia. Num momento em que se discute por toda parte os caminhos que ainda restam aos diários impressos, é interessante notar como as escolhas dos responsáveis pela mais recente reforma da imprensa brasileira coincidem com as tendências previstas por especialistas como os prováveis movimentos de resistência à concorrência dos meios eletrônicos e ao crescente desinteresse do público.
Na mesma semana em que se anunciava a nova face do Estadão, falávamos de jornalismo, com um grupo de estudantes da Escola de Comunicação e Artes da USP. Mais precisamente, falávamos de formação profissional e liderança de times para o jornalismo contemporâneo, e não pudemos deixar de mencionar os profissionais que construíram o portal do Estadão, na alvorada da internet.
Ao final de duas horas de conversa, muitos estudantes foram para casa preocupados com seu futuro. Outros se sentiram instigados a buscar mais informações para entender que espécie de desafio se coloca diante deles, na iminência de um processo de ruptura que claramente anuncia mudanças radicais no modo como essa profissão será exercida proximamente.
O aspecto da homogeneidade, que se busca nas reformas gráficas para reforçar a imagem do jornal e lhe dar um aspecto mais orgânico, foi um dos temas dessa conversa. Jovens ainda, os estudantes manifestaram certo cuidado com o que pode caracterizar a perda de credibilidade, doença mortal para quem produz jornalismo. Testemunhas privilegiadas da mais espetacular revolução tecnológica de que se tem notícia – e prováveis protagonistas de uma radical mudança no modo como estaremos mediando a realidade daqui para a frente –, eles demonstravam cuidado especial em que, mudando para sobreviver, não venha a mídia a reduzir ainda mais sua relevância.
A perda da capacidade de se sentir à vontade na diversidade e de retratá-la sem manobras de editorialização é uma das pás com que se tem cavado buracos no caminho da imprensa. O sucesso dos primeiros exercícios da mídia na internet se deveu basicamente a três aspectos: disposição para a inovação, dessacralização da tecnologia e respeito à diversidade.
O novo arcabouço apresentado pelo Estadão abre espaços para abordagens variadas e dificulta o controle da opinião. O tempo nos dirá se esses espaços poderão ser ocupados pelo saudável contraditório.
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Jornalista