A recente mudança no aspecto gráfico do Estado de S.Paulo, que incluiu a criação do caderno ‘Aliás,’, está se revelando bem mais do que um mero cosmético. A oferta de anúncios com aroma, inaugurada na semana passada, movimentou o setor de publicidade e mexeu com a criatividade de não poucos anunciantes. A notícia sobre o primeiro anúncio, com cheiro de café, mereceu a curiosidade dos profissionais do setor, a julgar pelos comentários postados em sites de relacionamento dirigidos à gente da propaganda e marketing.
Mas o mais interessante acontece dentro do próprio Estadão: conversas com jornalistas da tradicional casa indicam que os profissionais, em número significativo, estão gostando mais de trabalhar com o novo desenho e com a nova distribuição de conteúdos. Objetivamente, ‘mudou pouca coisa e muita coisa ficou diferente’, como diz um editor com mais de década no jornal.
Em primeiro lugar, a própria ocorrência de um projeto em meio à mesmice geral já é fato suficiente para mexer com os brios da ‘rapaziada da imprensa’, como se dizia antes da invasão feminina das redações. Em segundo lugar, porque a mudança acontece após uma série de infelicidades, cujo ponto culminante foi o assassinato de uma ex-editora por um antigo diretor de redação, e que teve no processo de afastamento da família Mesquita – transferida do comando da redação para um conselho que dá aos jornalistas da casa mais espaço para respirar e tomar decisões – uma longa e desgastante sucessão de intrigas, boatos, negociações reais e fantasiosas que afetavam o dia-a-dia dos profissionais.
Comunidade de negócios
Mas a mudança no Estadão não mexe apenas com o pessoal da casa e com os ‘criativos’ das agências de publicidade. Vai mover também a concorrência, não apenas representada pela Folha de S.Paulo, mas também pelo Globo, que recuou, mas não desistiu de disputar uma fatia satisfatória do mercado paulista, e pelo Valor Econômico.
No caso deste último, o caso se torna mais grave porque não apenas o Estado se prepara para tomar uma posição mais destacada no noticiário econômico, mas também porque, pela lógica histórica da concorrência em São Paulo, a Folha, que não é de ficar para trás, deve em breve mover suas peças no mesmo território em que combate duramente o fruto de sua parceria com O Globo. E a Folha, quando se move, costuma sacudir o mercado.
Como se sabe que o Valor não é ainda – passado o período crítico de três anos em que os projetos de mídia impressa costumam alcançar a maturidade (descontem-se as exceções, como a Veja, que demorou quase sete anos para decolar) – propriamente um sucesso de público, haja motivos para preocupação.
Por outro lado, apesar de toda a crise que tem marcado sua história recente, a Gazeta Mercantil segue sendo considerada um veículo importante para quem toma decisões no âmbito empresarial. Recentemente, um anúncio nascido da conjugação de interesses entre uma indústria e um banco acabou destinado ao tradicional jornal de economia e negócios, apesar da diferença de preço favorável ao Valor, após algumas consultas a analistas financeiros.
A maioria desses analistas manifestava preferência pela Gazeta, por conta da capilaridade com que o jornal consegue penetrar na comunidade dos executivos. O Valor parece crescer entre os executivos mais jovens, os profissionais de recursos humanos e aqueles ligados a empresas de serviços e tecnologia, mas não há indicadores seguros de que tenha derrubado a hegemonia do mais antigo concorrente.
Sinais de arrefecimento
Com uma presença mais forte do Estado nesse segmento e a inevitável movimentação da Folha, o setor deverá passar por um recrudescimento na concorrência, o que é sempre um fato animador.
Comentava semana passada um economista ligado a um importante banco de investimentos que o processo de estabilização da economia está fazendo com que os executivos voltem a considerar o papel dos jornais na consolidação de determinadas tendências da sociedade. Ele citou o anúncio no qual o Banco Itaú recomenda a seus clientes ‘crédito – use com moderação’, como um exemplo do interesse de muitas empresas de passar para a opinião pública recomendações de cautela com o dinheiro, ao mesmo tempo em que procuram educar a população para a necessidade de tomar decisões racionais em relação a finanças.
Nesse caso, ponderou o economista, deverá haver um movimento mais forte de anúncios para jornais influentes com boa presença entre os leitores de economia e negócios do que para a mídia especializada. E quando esse anunciante precisa falar para o segmento financeiro ou para outros setores específicos de decisão do ambiente corporativo, quer capilaridade e especificidade, esclareceu.
Portanto, aquilo que parecia apenas uma tentativa de rejuvenescimento do vetusto Estadão acaba evoluindo para se transformar em um fator de saudável agitação no meio jornalístico. O mais auspicioso é que isso acontece quando a crise financeira das empresas de comunicação parece arrefecer. É possível que a imprensa brasileira, que tem se revelado até aqui incapaz de aprender com as crises, amanheça 2005 com melhores possibilidades de recuperar parte dos leitores perdidos nos últimos cinco anos.
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Jornalista