Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vacas gordas na linha do horizonte

Profissionais de mídia de grandes agências de publicidade ouvidos nos últimos dias por este observador indicam que as edições de sábado dos jornais diários podem se tornar tão ou mais interessante para os anunciantes do que os jornalões de domingo, até agora os campeões de faturamento. Como os anúncios do varejo costumam atrair os chamados classificados e os pequenos anunciantes, acreditam esses profissionais que em breve teremos, além das quintas e domingos, os sabadões de grandes e variados cadernos.

Boa notícia? Depende. A demanda por um novo espaço na semana nasce de parto natural, provocada por novos hábitos de consumo, pelo ingresso de uma nova classe média na faixa de cidadania que move a economia, e por uma maior qualificação do comércio nas cidades médias e grandes, como vem constatando a Federação do Comércio no Estado de São Paulo. Com um período mais longo de estabilidade e inflação baixa, os comerciantes se sentem animados a investir no seu negócio e a concorrência se torna mais animada.

O lado menos auspicioso da notícia é que as redações dos grandes jornais não estão preparadas para responder à provável necessidade de uma nova edição ‘domingueira’ aos sábados. Para abrigar um número de anúncios equivalente também nos sábados, os jornais terão que produzir cadernos e mais cadernos de conteúdo, caso contrário os anúncios perdem valor. Pelo velho e conhecido fato de que, além do seu valor intrínseco, o conteúdo jornalístico agrega valor ao conteúdo publicitário, e o anúncio vale mais quanto mais próximo estiver de áreas nobres do noticiário.

O problema é que poucos entre os grandes jornais brasileiros trabalham com estratégias de longo prazo. A maioria deles desmantelou há muito tempo os comitês interdepartamentais que ajudavam a definir metas e fazer o planejamento estratégico. Os jornalistas foram colocados à parte das decisões de negócio e as redações murcharam até as esquálidas estruturas de hoje em dia, nas quais já quase não há espaço para reportagens especiais e muito menos ainda para o jornalismo investigativo.

No limiar

Assim, se esta demanda percebida pelo mercado se consolidar, é bem provável que se torne necessária uma ‘reengenharia reversa’ nas redações, em que o processo de encolhimento seja substituído por um movimento de contratações e formação de novas equipes. Acontece que jornal não é loja, que pode inchar e encolher conforme o movimento da freguesia. O trabalho jornalístico exige investimentos em capacitação, em adequação de estilos, em treinamento nos processos e nos sistemas editoriais específicos de cada periódico, além do conhecimento de manuais, com enorme variedade de detalhes sobre como escrever siglas, numerais, valores monetários etc.

Outra questão é a própria confiança dos gestores das empresas jornalísticas no potencial de sustentabilidade do atual momento econômico do país. Se, contrariando os prognósticos das manchetes, o país crescer de uma forma sustentável nos próximos anos, os jornais não poderão aproveitar a oportunidade se não começarem a investir agora mesmo na reestruturação de suas redações, no reforço de seus departamentos comerciais e nas estratégias de relacionamento para conquista e retenção de leitores. Se os jornais acreditarem em seu próprio pessimismo, poderão perder a chance de recuperar suas receitas no caso de a realidade desmentir os editoriais.

Caso, ao contrário, os gestores das empresas de comunicação venham a se convencer de que estamos no limiar de um período de vacas gordas, não há como escapar da necessidade de investir em gente. É preciso ter em mente que nenhum ser humano, por mais necessitado que esteja de seu emprego, poderá suportar dois ‘pescoções’ por semana, como chegou a sugerir o ex-diretor de redação de um jornal paulista.

Com a oferta de novas mídias e a esperada reformulação no setor de televisão aberta, convém não brincar com as oportunidades. Depois de anos de crise, um período de boa safra de anúncios não é coisa que se desperdice. E a exploração da mão-de-obra já passou do limite.

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Jornalista