Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Velhas novidades na mídia impressa

A figura do Pequeno Jornaleiro, imortalizada em estátua no centro do Rio de Janeiro, voltou nesta semana em carne e osso às esquinas da cidade. Quem o convoca: um vespertino, o segundo diário a estrear em pouco mais de um mês no terreiro onde já seis ou sete ciscam por leitores que rareiam.

Os novatos são, ambos, tablóides, coloridos, de leitura rápida, circulação restrita aos dias úteis e com preço abaixo de 1 real. Ambos inspirados em modelos espanhóis: ¡Qué! e 20 Minutos, informava o professor Paulo Oliveira neste Observatório em 30/8 [ver remissão abaixo]. Que alertava: brotados da cizânia na família O Dia, poderão vir em breve a arruinar o jornal-pai.

Os cariocas Meia Hora e Q! disputam faixas de público semelhantes – jovens trabalhadores e estudantes em seus deslocamentos cotidianos pela região metropolitana. O lançamento de setembro tem uma linha mais ‘popular’, policialesco-televisiva, enquanto o mais recente apela ao ‘jovem’, ao ‘moderno’, ao ‘urgente’.

Venda a pé

Se o primeiro parece refletir a espacialização do tempo, um dos cacoetes da pós-modernidade, o segundo demonstra outro, a compressão do espaço e do tempo. Q!, como vespertino, pretende antecipar-se em relação aos telejornais da TV e aos matutinos do dia seguinte, num formato compacto que emula a navegação num veículo da internet. Ou que ‘parece uma revistinha’, conforme comentários de leitores reproduzidos pelo próprio jornal.

Aposta também no esquema de distribuição: numa sacada de marketing, o Q! é vendido por jovens que seriam ligados a organizações não-governamentais, posicionados em locais de grande fluxo de pessoas, a partir das 17h. Só falta anunciarem as manchetes, como os jornaleiros nos filmes antigos (e terem definida a margem de lucro na venda, prometida junto com o salário de 200 reais…)

O Q! ressuscita a venda a pé e algo da tradição dos vespertinos, e Meia Hora, a dos jornais ditos populares. Duas espécies de natureza semelhante e acidentada história recente, da qual reproduzimos abaixo alguns movimentos que parecem se repetir no tabuleiro carioca.

1. Contaminação da linguagem – Os novos tablóides ‘econômicos’ são talhados para competir por leitores potenciais, sem hábito de comprar jornal, o que os desobrigaria de aprofundamentos e extensão de cobertura desnecessários a quem só quer uma visão geral dos fatos. Seria contaminação da linguagem de um meio (impresso) pela de outros (eletrônicos), preferidos pelo público almejado, abreviando drasticamente o espaço que separa as duas linguagens e seus veículos? Afinal, ainda não dá para acessar internet em ônibus, trem ou metrô…

Aliás, ao nascer, na segunda metade da década de 1960, o Jornal da Tarde paulistano era um jornal ‘escrito e paginado como se fosse revista, praticamente sem informação nova, preenchido com matérias reescritas do jornal matriz’. No caso, era o Estado de S.Paulo que tentava rejuvenescer, segundo o professor Nilson Lage (em comentário à dissertação de mestrado sobre O Estado de S. Paulo) [remissão abaixo].

2. Ameaça à reputação dos jornalões – Ao apresentar-se como opção ‘jovem’ desde a origem, Q! escolhe uma pauta mais leve, de ‘geral’, focada em comunidade, lazer e serviços, além das notícias do dia a que só se tem acesso no rádio ou na internet. Enquanto isso, O Dia tenta distanciar-se do popular, deixando essa pecha para seu tablóide Meia Hora, buscando qualificar-se para a concorrência com os jornalões.

Na década de 1960, o New York Times desistiu de lançar um jornal popular por temer os respingos de uma eventual imagem ruim que a nova criação pudesse ter. Até pouco antes, O Globo era também vespertino, caracterizado pela ‘entonação mobilizadora’ observada por Alberto Dines. Entonação característica da estirpe vesperal, presente ainda nos extintos Última Hora, de Samuel Wainer, e na Folha da Tarde, filhote do vetusto Correio de Povo, na Porto Alegre da década de 1960.

O próprio Notícias Populares paulistano teria sido concebido como ‘vespertino anticomunista’. Segundo Leão Serva, seu editor-responsável em 1990, foi morto não pelos programas policialescos da televisão vespertina, e sim pela decisão do Grupo Folha (surgido Folha da Noite, em 1921) em ‘limpar as mãos’ do sangue sensacionalista a partir de 2001 [ver remissão abaixo].

3. O fantasma da gratuidade – De volta a Nova York, o Daily News Express, distribuído gratuitamente pelo Daily News a partir de 2000, conseguiu ameaçar o veterano New York Post até pouco depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, quando a circulação de pessoas na metrópole foi restringida – e a do Daily News gratuito também, em 80%.

Aqui ao lado, a distribuição gratuita foi experimentada também pelo La Razón argentino, e poderia estar no horizonte dos tablóides cariocas, caso possam ser sustentados apenas por anunciantes – na análise do professor Oliveira.

E a história segue, assinalando como vespertinos bem-sucedidos – sem a pecha popularesca – o Diário Popular, de Lisboa; o Le Monde francês; o Osservatore Romano… Entre nós, foram vespertinos, e hoje são matutinos, a Tribuna da Imprensa carioca e A Tarde, de Salvador, entre tantos que saíam e ainda saem, ou já não saem mais.

O futuro ao leitor

Na assídua cobertura que este Observatório tem feito da prolongada crise dos jornais em países de língua inglesa está registrado que o californiano San Francisco Examiner passou a matutino e tablóide, em 2002; o Atlanta Journal, da Geórgia (EUA), havia deixado de circular um ano antes. O tradicional Wellington Evening Post, da Nova Zelândia, fechou em 2002, mesmo ano em que o Daily Ledger of Noblesville, de Indiana (EUA), restringiu a circulação para dois dias na semana depois de ter sido diário por 114 anos.

Hoje, no Brasil, além dos ensaios cariocas em andamento, temos em Natal o Jornal de Hoje, que há sete anos começou a ser distribuído em parceria com pontos de venda não-convencionais, oferecendo comissão de 50% do preço de capa, mas que não demorou a chegar a assinantes. E, em julho deste ano, foi lançado em Cuiabá o Página Única (na verdade, com quatro páginas), com versões para o rádio e a internet.

Este é o presente, espaço-tempo comprimido em que vivemos sob avalanches de informações. Quem lê tanta notícia ?

O futuro de Meia Hora e do vespertino Q! e de seus jornaleiros – bem como o das equipes de jornalistas que os recheiam – pertence ao leitor.

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Jornalista, Rio de Janeiro