A política na imprensa é comparável à corrente marítima nos filmes feitos debaixo d’água: sabemos que está lá, mas quase nunca se deixa fotografar. Visível e invisível. É um jogo permanente e de difícil previsão, porque pela sua própria natureza está sempre em outro lugar.
Esta imagem vem a propósito da venda em curso de um dos principais grupos de comunicação social de Portugal, a Lusomundo Media (LM), que detém, entre outros, o mais antigo jornal lisboeta em funcionamento, o Diário de Notícias, um dos diários de maior circulação nacional, com sede no Porto, o Jornal de Notícias, e a Rádio TSF, que se posiciona entre as de maior audiência no país. Atualmente integrante do grupo Portugal Telecom (PT), empresa controlada pelo Banco Espírito Santo e na qual o estado português mantém uma golden share (que lhe permite influenciar as decisões), a empresa é cobiçada pelos principais grupos portugueses e espanhóis de comunicação.
O negócio, cuja fase inicial de apresentação de candidatos coincidiu com a campanha eleitoral que terminou com a eleição, no domingo (20/2), de um novo primeiro-ministro, está longe de estar concluído e continua a levantar muitas questões sobre qual poderá ser o seu desfecho.
Concentração acelerada
Para o Sindicato dos Jornalistas, o negócio devia ter uma moratória de dois anos. A sugestão, feita em fins de janeiro, dava como justificação a suposta precipitação que envolve o processo e uma previsível desestabilização do setor devido a importantes e conflituosas negociações que atualmente decorrem na empresa estatal de rádio e televisão. Ao Sindicato parece que um agravamento da concentração do controle dos media pode enfraquecer a posição dos trabalhadores da RTP e RDP. O que dá para perceber a dimensão do negócio em jogo.
Mas há mais. ‘O excesso de concentração pode tramar os grupos portugueses’, conforme lembrou o jornal Público no início de fevereiro. A notícia dizia que o presidente da República estava preocupado com o tema e havia chamado para consulta o presidente da Autoridade da Concorrência (www.autoridadedaconcorrencia.pt/), que fez o favor de esclarecer que a operação de alienação da Lusomundo Media era ‘complexa e preocupante’. E informou que estava estudando o assunto desde há alguns meses sob os pontos de vista da circulação, distribuição, publicidade e classificados. Segundo o jornal, o guardião da concorrência teve de pôr as mãos na massa porque descobriu que não havia em Portugal análises aprofundadas sobre o setor, nem especialistas sobre a matéria.
Os principais partidos políticos portugueses também já concordaram que o tema da concentração da propriedade no setor pode pôr em causa a liberdade de imprensa. E no caso dos dois grupos lusitanos dados como os mais fortes na corrida pela compra da Lusomundo Media – a Cofina e a Media Capital –, o problema de fato existe.
A Cofina possui três diários, diversas revistas, um provedor de internet, participação numa distribuidora e na própria Lusomundo Media. Com a compra, concentraria, segundo dados informados pelo Público, 38,6 % da publicidade na imprensa e 84 % da circulação paga dos diários (excluindo os esportivos).
A Media Capital controla uma emissora de TV, várias rádios e revistas, um provedor de internet e uma empresa de produção audiovisual. O grupo já detém o máximo de licenças de rádio que a lei permite.
Um terceiro candidato português, a Olivedesportos, controla apenas parte de um canal a cabo e um diário esportivo.
Moral da história
Os espanhóis que estão na disputa são os pesos pesados Prisa, o maior grupo do país vizinho e proprietário do El País, e Vocento, que controla o diário ABC. E, se escapam aos problemas com a Autoridade da Concorrência, não são muito bem-vistos como proprietários de empresas de comunicação.
Embora o capital espanhol esteja atualmente muito presente nos principais setores da economia portuguesa, continua a despertar dúvidas e a gerar temores nacionalistas sobre onde, afinal, estão os centros de decisão das empresas lusas. Alguns jornais chegaram a referir que a Portugal Telecom não venderia a empresa a estrangeiros.
Assim, a Portugal Telecom tem muito o que considerar para além do valor proposto por cada um dos interessados. Até porque, ainda antes do parecer da Autoridade da Concorrência, a primeira barreira será a avaliação a ser feita pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, que dirá se o negócio é ou não um impedimento à liberdade de imprensa e de opinião.
No meio disso tudo, acresce que o processo de venda da Lusomundo Media não tem sido dos mais claros. Durante 2004 foi um ‘não ata nem desata’ da Portugal Telecom, nas palavras de nota da Associação para o Desenvolvimento das Comunicações. Depois, foram os próprios interessados a aparecerem nos jornais a afirmar que haviam entregue propostas de compra, quando a própria Portugal Telecom ainda dizia estar a ponderar se mantinha ou não a posse da empresa.
Além disso, durante o mês de janeiro três das empresas que se mostraram interessadas na aquisição – Cofina, Sonaecom e Impresa (as duas últimas não passaram à segunda fase do processo) – tiveram ganhos consideráveis na Bolsa de Valores de Lisboa.
A mais recente notícia de que o Banco Espírito Santo, maior acionista da Portugal Telecom, adquiriu mais de 2% do capital da Media Capital, apontada como uma das prováveis compradoras da Lusomundo Media, vem trazer mais condimento à história.
A moral? Não sei se há. Se sim, deve ser algo como: peixe verde em água verde não se deixa filmar.
******
Jornalista