Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A polêmica em torno dos medicamentos não autorizados pela ANVISA

A inflamada controvérsia em torno da aplicação da Fosfoetanolamina no tratamento do câncer trouxe um benefício palpável. Criou as condições propícias para a efetivação de uma pesquisa oficial aprofundada, divulgada pelos jornais, destinada a apurar a alegada eficácia da substância medicamentosa processada no Instituto de Química da USP, em São Carlos. Abriu, ainda, a chance de se poder comprovar uma certa inconsistência nas alegações sustentadas por setores científicos quanto à exigência do registro da Anvisa para a utilização da droga citada em função de determinações judiciais. Acontece que, conforme relatado abaixo, sem que ocorram quaisquer questionamentos por parte desses mesmos setores, o SUS vem gastando fortunas em remédios estrangeiros desprovidos também de registro da Anvisa, liberados igualmente pela Justiça.

Os Ministérios da Saúde e da Ciência anunciaram a disposição governamental de promover o estudo, que já poderia ter sido efetuado há bastante tempo, a levar em conta a circunstância de que o composto sintetizado pelo químico Gilberto Chierice vem sendo aplicado com bons resultados, consoante copiosa documentação, desde o ano de 1995. A distribuição das cápsulas era regularmente procedida pela USP em São Paulo até o ano passado. Abruptamente foi interrompida, o que levou milhares de pessoas a recorrerem à Justiça para obter o produto. Segundo registros recentes do fórum de São Carlos, oitocentas petições jurídicas são protocoladas diariamente requerendo a liberação da substância.

As pessoas se louvam, esperançosamente, em testemunhos numerosos de pacientes que passaram pelo tratamento com a Fosfoetanolamina e que se confessam curados dos males que os afligiam. A cura ou a melhora alegadas são, contudo, questionadas por parte de muitos especialistas em oncologia. Eles sustentam a inexistência de avaliações clínicas rigorosas sob controle com seres humanos, etapa fundamental para que o composto possa vir a ser reconhecido pela Anvisa.

Um custo de 440 mil dólares ao ano por paciente

Os defensores do emprego da droga contra argumentam com dados apurados pelos cancerologistas da equipe do químico Chierice. Garantem eles que a Fosfoetanolamina revela-se altamente eficaz na regressão de células tumorais de melanoma (câncer de pele), leucemia e cânceres de rim e cólon. A celeuma em torno da questão trouxe a público também a revelação de que, em mais de uma oportunidade, instituições científicas manifestaram interesse em ampliar as pesquisas realizadas no Instituto de Química da USP em São Carlos, mas as negociações a respeito jamais foram concretizadas. Outra informação de grande significado social liberada em razão da incandescente polêmica à volta da Fosfoetanolamina diz respeito ao manifesto propósito dos responsáveis pela distribuição das cápsulas de não usufruírem benefícios pecuniários da comercialização da fórmula. Em seu modo de entender o medicamento terá que ser gratuitamente fornecido aos interessados.

Existe um outro dado extremamente curioso relacionado com a relutância oferecida à ideia de liberação do composto. É alegado a toda hora que o produto não possui o registro legalmente exigido da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Tem ocorrido, entretanto, com frequência, a liberação por ordens judiciais de um punhado de fármacos estrangeiros sem o competente registro na Anvisa, considerados importantes para tratamentos especiais de saúde com custos elevadíssimos para o SUS. O caso do remédio conhecido por “Soliris”, indicado para amenizar as complicações de uma forma rara de anemia – a “hemoglobinúria paroxística noturna (HPN)” –, é bem elucidativo. Por exigência da Justiça, o SUS foi obrigado a adquiri-lo centenas de vezes. O medicamento – voltamos a lembrar, de origem estrangeira – custa 440 mil dólares ao ano por paciente. Em reais, 1,7 milhão de reais. De 2010 para cá, o Ministério da Saúde aplicou 554,5 milhões de reais só com o “Soliris”.

E ele não é a única fórmula medicamentosa adquirida pelo governo no exterior, a preços que custam os olhos da cara e desprovidos do “de acordo” da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

E, agora, José?

***

Cesar Vanucci é jornalista