Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Mídia e a Paz nas Comunidades

“A maconha é pop”, é o destaque da coluna INFORME JB, de Jan Theophilo, em o Jornal do Brasil, publicada em 24.06.18, demonstrando objetivamente porque a grande imprensa nacional tem restrições, verdadeiramente fazendo “vistas grossas”, e não pautando propositadamente o debate para tratar da questão dos usuários de drogas ilícitas, sobretudo as denominadas de uso recreativo por integrantes da alta sociedade brasileira. Ao revelar pesquisa interessantíssima, foca os desejos dos usuários, mas não destaca as consequências para a sociedade, que é a violência provocada pela disputa pelos pontos de venda de drogas pelo tráfico, alimentado pelo consumo, com a morte de inocentes em comunidades.

“(…) Estudo realizado pelo Comunica Que Muda (CQM), iniciativa digital da agência de publicidade nova/sb, mostra que na internet a maconha é popular, defendida mais pelas mulheres (73,8%) e o assunto “pega fogo” mesmo é no Rio de Janeiro (34%), seguido por São Paulo (18,5%). Entre os dias 12 de março e 8 de abril foram analisadas 555.280 menções sobre a maconha nas redes. Desses comentários, 72% forma considerados favoráveis, 14% contra e 14% neutros. O tema é compartilhado por 56,6% dos internautas brasileiros, embora poucas pessoas comentem sobre suas próprias experiências. Dos que falam sobre a maconha nas redes, mais de ¼ assumem publicamente que usam a erva de forma recreativa (28,1%). As mulheres escrevem mais o tema do que os homens: 56% contra 44%. Entre elas, 73,8% são a favor. Já entre eles são favoráveis 63,9%. Apesar da grande discussão nas redes, a cannabis ainda é tratada de forma superficial. Com relação à legalização, 84,6% são favor, 14% contrários e 4,1% neutros. Nas postagens, 98,6% comentam sobre o uso recreativo e somente 1,4% sobre a utilização medicinal. Desses, 91,7% apoiam a apoiam a maconha medicinal, 8,3% são neutros e ninguém é contrário, Legaliza, Temer! (…)”.

Silêncio Inaceitável da Mídia Brasileira

O foco desta singela reflexão é compartilhar textos publicados em órgãos de imprensa nacional que demonstram a obsequiosidade que jornais e jornalistas têm tratado os usuários de drogas ilícitas, eis que, são escassíssimas as publicações de notícias que colocam o holofote no consumidor, sempre enfatizando a violência, que é a consequência, de mortes de inocentes, mas nunca enfrentando a causa, que é o bilionário mercado de drogas ilícitas, financiado pelo consumo elitizado. Não existiria guerra das drogas se não existissem compradores com poder aquisitivo para adquiri-las, daí a importância da sociedade compartilhar, sobretudo, com os usuários recreativos, a responsabilidade pelas balas perdidas nos enfrentamentos com mortes, entre traficantes, entre traficantes e policiais, de pessoas que infringem normas legais, às quais devem responder legalmente por seus atos ilícitos, com base no Estado Democrático de Direito. Trabalhadores perdendo vidas, o crescente número de policiais abatidos ,jovens, adolescentes e crianças sendo mortas em salas de aulas, a perda da tranquilidade, o direito a viver em paz nas comunidades, atingindo, inclusive espaços da urbanos, como vias públicas e locais nobres da cidade, e o silêncio inaceitável da mídia brasileira, à luz de sua responsabilidade social.

“Usuários e traficantes. Guerra às drogas ganha no Brasil camada de ineficiência por privilegiar prisão de jovens com pequenas quantias.”, é a matéria da Folha de São Paulo, do dia 03 de junho, explicitando o posicionamento editorial do conceituado jornal paulista, respeitado em todo o Brasil.

“(…) Se a questão não se resolve pela via da repressão pura, mais produtiva tem se provado a abordagem de saúde pública e de legalização gradual. Os recursos consumidos hoje pelo proibicionismo sem resultados seriam mais bem aplicados em campanhas educativas e de redução de danos. A transição não será fácil nem simples, tendo em vista a inclinação contrária de parte considerável da população. Por tal razão, esta Folha defende que o processo de liberalização ocorra de maneira paulatina, começando pela maconha, e seja necessariamente submetido a consulta popular. (…)”,

Como sempre, a mídia nacional se abstém de dar ênfase ao principal, pois não é o pequeno consumidor, enfocado na matéria da Folha, o qual, na maioria das vezes é um dependente químico que carece de tratamento médico, que provoca a guerra do tráfico. E sim a disputa de pontos de venda entre os traficantes pelo usuário recreativo de drogas, em quem não se coloca propositadamente o holofote midiático, talvez por afetar a alta sociedade, eis que, é uma das causas da violência nas comunidades, que provoca as balas perdidas e mortes de inocentes, pelo fato de residirem em locais carentes, negando-lhe a paz.

Neste diapasão o jornal O Globo, 31.05.18, publicou matéria intrigante, “Proporção de fumantes no Brasil caiu 36% na última década. Prevalência do uso do tabaco recuou de 15,7% em 2006 para 10,1% em 2017.”

Estratégias seguidas por vários governos. Na avaliação do próprio ministério, a redução no consumo do tabaco no Brasil é resultado de uma série de ações desenvolvidas pelo governo federal para combater o tabagismo, como o estabelecimento de preços mínimos e a legislação que proibiu o consumo de cigarros e outros produtos derivados ou não do tabaco, incluindo narguilés, em ambientes de uso coletivo, públicos ou privados.”

O texto demonstra concretamente que deu certo na sociedade brasileira a rejeição do cigarro como mote de status social, “a famosa terra de Malboro”, e segue a reportagem divulgando pesquisas científicas realizadas no Instituto Nacional do Câncer (Inca), com adolescentes de 15 a 17 anos.

“(…) São cerca de 100 mil adolescentes que fumam diariamente no Brasil. Se eles não mudarem seu comportamento de fumar e adotarem hábitos de vida saudáveis, para além dos malefícios do de curto prazo, terão na fase adulta um risco aumentado de desenvolvimento de doenças crônicas – alerta André Szkdo, tecnologista do Inca e coautor do estudo. (…)”,

O cigarro é uma droga legal e socialmente aceita, mas com efeitos perversos sobre a saúde dos usuários, deixando marcas para toda a vida do consumidor e um alto custo para a sociedade em tratamentos médicos. Mas as guerras das drogas ilícitas nas comunidades, onde se pretende haja paz, não ocorrem por causa de cigarros, que são legalmente vendidos e comprados pelos usuários, que têm substancialmente diminuído numa bem sucedida atuação da sociedade, inclusive através de leis e estratégias governamentais, que não passam pela leniência social, e sim pela prevenção.

Grandes Jornais Noticiando Usuários Recreativos

Desta forma, entende-se porque a mídia nacional, especialmente os grandes jornais, como O Globo, Estadão, Jornal do Brasil, e, Folha de S.Paulo, começaram, recentemente, a enfocar a questão do consumo recreativo de drogas ilícitas, destacando-se uma matéria de página inteira na página de cultura “Caderno B”, publicada no Jornal do Brasil, 07.03.18, “O tráfico dançou”.

“(…) Mercado de maconha para fins recreativos nos EUA gera negócios que arrecadaram U$ 220 milhões em impostos no ano passado. Denver tem até ônibus para usuários viajarem (…)”. “(…) Enquanto isso, no Brasil, jovens pobres negros e brancos, quase pretos de tão pobres, continuam lotando presídios apenas porque alguns deputados não gostam do cheiro de seus cigarros. (…)”,

Arnoldo Bloch, em O Globo, 13.03.18, no texto: “Drogas & Utopia”, expõe o embate que a sociedade brasileira tem citando exemplos de Portugal, Uruguai e EUA, falando sobre a tendência do STF, e até considerando

“(…) enviar um zap para Raul Jugmann. Ministro, o senhor já pensou na hipótese de o grande financiador do tráfico ser o proibicionismo? (…)”.

O ilustre articulista do Globo nada fala sobre as inocentes vítimas mortas nas comunidades pelas balas perdidas na guerra do tráfico para atender o consumo, que fomenta este mercado, que por lei ainda é proibido em nosso sistema jurídico nacional. Certo é que necessitamos enfrentar esta temática trazendo os usuários de drogas ilícitas para o palco, contando que a mídia deixe de agir com parcimônia, se não a paz nas comunidades continuará a ser um bem social que só é alcançado para quem no recanto de seu luxuoso lar recebe a droga em casa.

Num outro diapasão, Tereza Cruvinel, em sua coluna, “Coisas da Política”, Jornal do Brasil,
01.03.18, compartilha a opinião do vice-governador do Rio, Francisco Dornelles,

“(…) Em todo comércio, enquanto houver demanda, haverá oferta. É preciso combater também o flagelo do consumo, com campanhas educativas, com abordagem penal para diferentes tipos de drogas. (…)”.

Posição prontamente rebatida por Nelson Motta, no O Globo, 02.03.18, quando exemplifica o modelo “Tolerância Zero”, do prefeito Rudolph Giuliani, de Nova Yorque, na Big Apple, existindo lá usuários de drogas, mas não o controle de espaços públicos por traficantes. Ele se esqueceu de citar que as punições das leis norte-americanas, tanto para traficantes, como para usuários, são rigorosíssimas, e são aplicadas para valer, sem subterfúgios legais, ou tratamentos amenizadores. Ao contrário daqui, onde foram suavizadas, em atendimento a proposição de política que o consumo de drogas está adstrito a questão de saúde pública, e, da denominada “política pública de redução de danos”, que também não vem produzindo efeitos sociais positivos para o conjunto da sociedade, muito menos para os habitantes de comunidades, que continuam a correr risco de morte, as maiores vítimas da guerra das drogas.

Classe média carioca – frouxidão de valores

É de destacar a fala do Ministro Raul Jungmann, do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que teve a inédita coragem, na condição de autoridade pública, de responsabilizar publicamente os usuários de drogas recreativas, como reproduzido pelo Estadão, 27.02.18, “Jungmann diz que classe média reclama do crime e financia o tráfico. Em seu discurso de posse como ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, que até recentemente era Ministro da Defesa, criticou o comportamento da classe média carioca que, segundo ele, apesar de reclamar da insegurança, é usuária de drogas que financiam o crime.

“(…) Me impressiona o exemplo do Rio, durante o dia [pessoas] clamarem contra a violência, contra o crime, e à noite financiarem esse mesmo crime através do consumo de drogas”, afirmou o ministro. Para ele, a “frouxidão de valores” leva às drogas pessoas de classe média às quais “nada falta àqueles que têm recursos (…).”

Estes usuários abastados de drogas ilícitas que raramente são colocados sob os mesmos holofotes midiáticos, são tratados de forma VIP, sendo glamourizada a prática ilícita do consumo recreativo de drogas. É a mesma mídia que se junta a classe média para clamar por paz nas comunidades cariocas, esquecendo, de forma proposital, que o comprador é quem financia o grande negócio da droga no país.

Mapa do consumo de drogas carioca e nacional

Uma pérola a nota publicada na prestigiada coluna de Ancelmo Gois, em O Globo, 17.02.18, com relação a temática:

“(…) Eduardo Eugênio, presidente da Firjan, aplaude a intervenção. Mas acha que uma parte da sociedade tem culpa da situação atual: – Eu me refiro aos usuários de drogas. Eu sou favor da descriminalização. Mas enquanto ela não chega, os bonitinhos da Zona Sul que cheiram cocaína precisam saber que estão alimentando o crime. (…)”

A nota se soma a outra, inusitada, publicada na mesma coluna, em O Globo, 18.02.18, “Caraaaaamba!.

“(…) A Síndica de um prédio de Icaraí, em Niterói, disse na reunião de condomínio que a caixa de esgoto ficou entupida por causa de cápsulas de cocaína. Um morador sugeriu que um pedido fosse colado nos elevadores: Por favor, depois de cheirar, deposite sua cápsula de cocaína na lixeira. Mas a ideia foi negada (…).”

As duas notas sobre o uso recreativo das drogas chamam à atenção para uma das maiores causas, se não a principal razão da violência no Rio de Janeiro, que tem tido um tratamento silencioso incompreensível, que beira a sonegação de informações por parte da grande mídia nacional.

Necessitamos como sociedade nos mobilizar contra a violência em nosso país, enfocando um este vital aspecto social que é o tráfico de drogas. A começar pelo esclarecimento de onde vem o financiamento, especialmente pelas razões que levam pessoas ao consumo das drogas, lícitas e ilícitas, e, sobretudo nos posicionar, em prover ajuda, orientação, numa atuação preventiva, tratamento adequado etc. Ao mesmo tempo estabelecer sanções legais pesadas, especialmente pecuniárias para os consumidores, no que tange ao chamado “consumo social”, que é sabidamente uma das maiores razões da existência do grande mercado da venda de drogas, sobretudo nas altas camadas da sociedade, que defende sua descriminalização. A parte de responsabilidade do usuário de drogas não é enfocada pela grande mídia, com ênfase diária nas consequências da guerra do tráfico, ou seja, a mídia brasileira não tem feito, ou não tem procurado as respostas, como tão bem faz em outros temas vitais para a sociedade, para a obvia questão que não quer calar: “Por que estes vendedores de drogas disputam arduamente pontos de venda de comercialização nas comunidades cariocas?”. Ao buscar respostas a esta questão, divulgando o mapa do consumo de drogas carioca e nacional a mídia contribuirá para ajudar a combater as causas da perda de tantas vidas inocentes.

Drogas delivery: Brasília, Zona Sul, e, Barra da Tijuca

Notícia publicada, num canto de página de O Globo, 07.02.18, “DROGA DELIVERY” NA ESPLANADA.

“(…) A Polícia do Distrito Federal cumpriu, (…), 28 mandados de prisão e 35 de busca e apreensão em uma operação contra o tráfico de drogas em Brasília, Entre os alvos da ação estavam uma estagiária do Ministério Público Federal (MPF) e um funcionário do gabinete de um parlamentar da Câmara dos Deputados. De acordo com os investigadores, os traficantes vendiam drogas, principalmente cocaína, para servidores, públicos na Esplanada dos Ministérios, inclusive órgãos federais. A operação foi deflagrada após um ano de investigações que apuram o tráfico de drogas na região central de Brasília. As encomendas eram entregues pelo sistema “delivery” nome que foi dado à operação. A Polícia Civil informou que, além do cumprimento de mandados, foram apreendidos drogas e dinheiro. Ainda de acordo com a polícia, essa é a primeira fase da operação. Segundo o G1, apesar de envolverem servidores públicos, os mandados foram cumpridos apenas nas casas dos alvos das investigações, suspeitos de fornecer a droga para clientes de classe média e alta. (…)”,

destacando-se a ausência de ênfase midiática, como sempre ocorre em outros delitos, na condenação social daqueles que praticam o crime do uso de substâncias proibidas por lei, como estabelecido, por hora, no Ordenamento Jurídico Nacional, numa costumeira blindagem midiática dos usuários-consumidores, seja porque são abastados, seja porque são famosos.

Numa outra matéria o Jornal O Globo, 01.12.17, num formato que raramente é enfocado, destaca que “Polícia desarticula ‘disque-drogas’”, demonstrando objetivamente a razão principal da guerra do tráfico pelo comando dos pontos de venda de drogas, que tem ceifado a vida de vítimas inocentes em comunidades carentes, inviabilizando a convivência pacífica de moradores destas áreas de conflito social, sobretudo através de balas perdidas, à luz de uma
atuação ostensiva dos comandantes e soldados que operacionalizam a disponibilização do acesso às drogas ilícitas aos usuários recreativos, dependentes químicos etc, especialmente os de alto poder aquisitivo.Estes aquinhoados socialmente não são expostos a riscos, recebendo suas encomendas tranquilamente, em locais seguros, pois essa é a função do ‘disque-drogas’, alimentar sua percepção de vida, em detrimento daqueles que pelo simples fato de não de não terem condições econômicas de residirem em áreas com os necessários equipamentos de segurança pública, são, por razões alheias à sua própria vontade, vulnerabilizados no seu viver diário, como consequência deste violento e bilionário mercado de drogas no Brasil, movimentado por consumidores, usuários recreativos de substâncias ilícitas.

É explicitado na reportagem que “Com faturamento mensal de R$ 900 mil, quadrilha atuava nas zonas Sul e Oeste’, e mais, assevera que

‘(…) a principal quadrilha que distribuía drogas em domicílio no Rio (…)’, indicando a Polícia Civil que ‘(…) Ela agia em bairros da Zona Sul e também na Barra da Tijuca e no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste”, Acrescenta, ainda, o texto jornalístico: ‘“O bando comprava Skank, cocaína e maconha na Favela Rocinha e revendia o material a partir de encomendas recebidas por telefone.” Chama à atenção que esta atuação da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD), direcionou-se aos vendedores, não focando os compradores, sendo que eles destacam que “(…) o grupo atuava principalmente junto a clientes de alto poder aquisitivo. Ao todo, eram mais de 800 entregas por semana (…)”. A reportagem do Jornal Globo, 01.12.17, completa: ‘ “(…) O faturamento mensal com a atividade criminosa é estimada pela polícia em aproximadamente R$ 900 mil (…)’.

A Notícia explica uma das principais razões da guerra entre traficantes pelo domínio dos pontos de venda de drogas, e suas inocentes e maiores vitimas, que são os moradores de comunidades, os quais são expostos ao enfrentamento entre a polícia e os traficantes, mas desconsidera as consequências do consumo de drogas ilícitas, especialmente para uso recreativo, como uma das principais fontes para violência na sociedade brasileira.

Enquete: Drogas Sim ou Não?

É de se destacar que o Jornal O Globo, 01.10.17, propôs um salutar debate questionando se “A legalização das drogas diminuiria a violência no Rio?”. Do lado do SIM enfocamos a resposta de ILONA SZBÓ, Diretora-Executiva do Instituto Igarapé,

“(…) Com a legalização e a regulação do mercado, tiramos uma fonte de renda de grupos armados que controlam territórios, a banda podre da polícia e políticos. Hoje não existem critérios objetivos que diferenciem usuário e traficante. Por isso, uma pessoa apreendida com maconha, por menor que seja a quantidade, pode ficar meses presa e sem julgamento, Quando esta pessoa for libertada, estará estigmatizada pela sociedade e muitas portas se fecharão para ela. Deveríamos investir em políticas públicas, como combate à evasão escolar, que impeçam a formação de novos consumidores de drogas. No entanto, a tática adotada é repreender, e isso é o mesmo que enxugar gelo (…)”.

E do lado NÃO, focamos a resposta de ANTÔNIO GERALDO DA SILVA, Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL),

“(…) Legalizar só aumenta o acesso às drogas, não inibe o tráfico, que continua oferecendo o produto mais barato e sem impostos que financia a violência. É um contrassenso as pessoas pedirem cultura de paz, mas continuarem comprando e consumindo entorpecentes. Como médico, não posso defender a legalização de substâncias que desenvolvem a dependência química, que é tratada como um doença mental. O uso de drogas tira a pessoa do seu estado de mentalidade normal, a faz perder a noção do que é lícito ou ilícito, o que contribui para o aumento dos índices de acidentes e de violência doméstica e urbana (…)”.

O uso recreativo de drogas

Corroborando as asseverações de timidez legislativa nacional a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), órgão ligado a ONU, através de relatório divulgado, e restritamente divulgado pela mídia nacional, como o Jornal O Globo.

“(…) duras criticas ao governo brasileiro pelo tratamento diferenciado entre usuários e traficantes na nova lei sobre drogas no país.“ Pela lei, o usuário pode ser condenado à prisão, mas a punição é sempre convertida em pena alternativa, como prestação de serviços. (…)” Diz o representante da ONU “(…) a condescendência com o usuário enfraquece a capacidade de investigação das policias sobre o narcotráfico. Sem punição severa o usuário nunca colabora com a polícia. (…)”.

Reiterando esta visão político-institucional, destacamos pequeno trecho do artigo publicado
no Jornal do Commércio/RJ, “O tráfico e o consumo de drogas no Brasil” da Desembargadora Áurea Pimentel Pereira (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), que comentando o relatório citado do órgão da ONU, asseverou:

“(…) Não deixa de ter razão, portanto, o Relatório submetido à Junta de Fiscalização de Entorpecentes, quando credita à leniência com que no Brasil está sendo tratado o problema do consumo de drogas e expansão do tráfico que as explora, este último, naturalmente, sem condições de ser desmantelado, enquanto existir, como atualmente existe, uma verdadeira multidão de usuários que o fortalecem e vivificam. (…)”; “(…) A crítica feita no Relatório procede, em substância, servindo como alerta para a necessidade da edição, em nosso país, de lei mais severa que – embora não venha, evidentemente, a dispensar, ao usuário de drogas, tratamento legal rigorosamente igual ao do traficante – o que seria absurdo, preveja a aplicação ao primeiro, de normas legais mais realísticas, capazes de romper a verdadeira parceria de interesses entre um e outro existente. (…)”;

Especialistas internacionais identificam as limitações de nossa política pública de efetivo combate ao tráfico de drogas ilícitas, não coibindo eficazmente seu consumo.

Glamourização da mídia de usuários famosos

O que chama a atenção é a glamourização da mídia a casos de ricos ou famosos que se envolvem com drogas ilícitas. A ausência de holofote sobre estes personagens da alta sociedade, bem como, a ausência do debate do tema do uso recreativo de drogas por esta camada social, e os reflexos na violência cotidiana das comunidades carentes, onde a guerra do tráfico pelos melhores pontos de venda acontece todos os dias, reforça um silêncio desrespeitoso dos meios de comunicação- rádio, televisão, jornais, revistas, portais da internet, redes sociais etc-. Raramente estes cidadãos são retratados socialmente como usuários de drogas, consequentemente necessitados de tratamento médico, psicológico etc, e não se fala que o uso das drogas por esta camada socialmente abastada é um dos fatores que fomenta a violência nas comunidades. Continuamos a combater as consequências, e não a causa, que é o consumo desenfreado de drogas ilícitas, daí o efeito pedagógico para a juventude a divulgação de matérias como a publicada no Jornal O Globo, 17.12.17, “História e Cinema no Mundo Real – Meu nome não é Johnny. É Bernardo Russo”, onde registra “Advogado bem-sucedido do Rio, com histórico acadêmico exemplar, é acusado de pertencer a uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas da Zona Sul”, assim, destacamos excertos da reportagem que compara trajetórias de abastados personagens da Zona Sul do Rio, um dos quais serviu de fonte para filme.

“(…) De principal fornecedor de cocaína das altas-rodas da sociedade carioca, João Guilherme Estrella passou a operador de uma rede de “mulas” para envio de drogas para a Europa. Até ser descoberto pela polícia. Uma história revelada pelo jornalista Guilherme Fiúza no livro “Meu nome não é Johnny”, que virou sucesso no cinema. Uma década antes, outro abastado morador da Zona Sul ficara famoso ao ser acusado, em 1984, de levar cocaína para a Europa dentro de latas de sardinha (…)”, “(…) Grampos telefônicos, de acordo com a polícia, revelaram que Bernardo negociava drogas com traficantes da maior favela do Rio e as repassava a consumidores de classe média alta no asfalto. O “delivery” era responsável, de acordo com a investigação, por mais de 800 entregas por semana. O faturamento mensal foi estimado pelos policiais em R$ 900 mil (…)”, (…) O “delivery” mantido pelos acusados fazia chegar aos clientes, em casa ou em qualquer outro lugar, drogas como Skank, maconha e cocaína. O serviço tinha grande procura entre usuários de alto poder aquisitivo não só pela comodidade, mas também pelo fato de os entorpecentes serem de qualidade (…)”, grifo nosso.

Visões diferenciadas na sociedade

Evidentemente que existem outras visões e percepções da sociedade apoiadas por especialistas, às quais necessitam ser respeitadas e discutidas, inclusive o direito ao livre arbítrio, a autodeterminação pessoal com relação ao uso de drogas fruto da escolha existencial por pessoas civilmente capazes, defendidos por grupos nacionais e internacionais que sustentam a descriminalização do usuário, do consumidor de pequeno porte.

São propostas que consideram a quantificação para que o julgador possa caracterizar se determinada quantidade é para uso próprio ou para tráfico, como consta em Ação no Supremo Tribunal Federal, numa ótica que o combate ao consumidor não tem trazido resultado social positivo. Por isso, temos por todo o Brasil, A Marcha pela Liberação da Maconha pleiteando sua liberação legal para o denominado uso recreativo, como, ilegalmente já acontece, segundo divulgado pela mídia, em festas de adolescentes e jovens de áreas nobres, onde são disponibilizadas o livre acesso a drogas lícitas e ilícitas, com consequências nefastas para rapazes e moças, em sua maioria menores de idade, com prejuízo do futuro deles, sem qualquer responsabilização dos pais.

Rompendo a blindagem midiática ao consumidor recreativo de drogas, o Jornal O Globo, 20.12.2017, prestou grande serviço social quando publicou, ainda que em tom de crítica, a matéria: “Política Nacional sobre Drogas”, sob o tema: “Cerco ao dependente”, “Diretriz proposta pelo governo vai contra a legalização e defende leis mais duras para usuário”, quando notícia:

“(…) O ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, propôs uma nova Política Nacional sobre Drogas para o país, com diretrizes claras contra a legalização de substâncias ilícitas e a favor de maior endurecimento da lei em relação aos usuários e foco no tratamento de dependentes. A proposta do governo vai no sentido oposto à chamada política de “redução de danos” que um viés menos punitivo em relação aos usuários. (…)”, “(…) O projeto de resolução apresentado por Terra vai na contramão do que está em discussão atualmente no Judiciário. Diz, por exemplo, que a “orientação central da política nacional sobre drogas deve considerar aspectos legais, culturais e científicos, em especial a posição majoritariamente contrária da população brasileira quanto a iniciativas de legalização das drogas (…)”, grifo nosso.

Relevante função social da mídia nacional

É hora da grande mídia nacional, no exercício de sua relevante função social, enfocar o mercado do consumo de drogas, até porque, segundo estimativas internacionais ele envolve cerca de 246 (duzentos e quarenta e seis) milhões de pessoas, buscando as perguntas, junto aos usuários brasileiros, especialmente os recreativos, tais como: quem são os consumidores?, nível de escolaridade?, de renda?, onde estão?, por que consomem?, por que não param de consumir?, de que ajuda necessitam da sociedade?, como veem as consequências sociais de seu consumo?

Quem sabe à luz destas e outras respostas possamos nos mobilizar como sociedade contra uma das maiores causas da violência em nosso país, a começar pelos consumidores, que são um dos fomentadores deste milionário mercado em nosso país, visando campanhas na grande mídia, governos, empresas, escolas, sindicatos, associações, organizações religiosas etc, de ajuda aos dependentes.

Concluindo, sem ter a pretensão de disponibilizar uma resposta definitiva, e, sim, de modestamente contribuir com o debate em busca de soluções para a complexa temática do consumo de drogas ilícitas, a questão que se coloca, como sociedade, onde a mídia brasileira, que tem se mobilizado contra a violência, tem direcionado seu foco as consequências, e não as verdadeiras causas: É possível compatibilizar o desejo dos compradores, usuários recreativos, os quais também têm direito às suas escolhas existenciais, à sua autonomia de vontade pessoal, (resguardados os dependentes químicos para quem deve ser assegurado tratamento médico), sobretudo, de alto poder aquisitivo, como os que fazem suas encomendas pelos ‘disque-drogas’, com o exercício da tranquilidade sendo usufruída pelos moradores de comunidades carentes, vítimas da violência, com mortes de vidas inocentes, sem direito a escolhas, em função da disputa dos pontos de venda de drogas entre os traficantes, e a atuação policial repressiva, direcionada aos vendedores, neste inflamado bilionário mercado de drogas?” Para que, tanto os bem-nascidos possam exercer seu livre arbítrio pessoal, como as pessoas que são moradoras de áreas desprovidas de serviços públicos, possam viver livres do risco de morte, tendo paz em sua comunidade, usufruindo de dignidade da pessoa humana, pilar do arcabouço jurídico nacional.

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Gilberto Garcia é Advogado, Professor Universitário e Mestre em Direito.