O crime/atentado foi bárbaro e covarde e teve imensa repercussão no Brasil e no mundo. O perfil de Marielle Franco, a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, ativista, negra, feminista, homossexual, nascida e criada na favela da Maré, socióloga, mestre em administração pública, defensora dos direitos humanos, das minorias e dos mais pobres gerou uma reação difícil de ser contida. Há urgência na solução da questão policial com a identificação e punição dos responsáveis pelo planejamento e mortes dela e de seu motorista, Anderson Gomes, mas o caráter político da execução, no grave momento porque passa o Brasil, e com o Rio de Janeiro sob intervenção federal, criou uma série de indagações e necessidade de pautas, aprofundamento de enfoques, muito além da investigação do crime.
A cobertura variou muito de amplitude e relevância, mas o tom, até nos programas de entretenimento, foi de perplexidade e indignação. Na cobertura da TV Globo, por exemplo, que se destacou pela importância dada ao assunto, houve omissões e equívocos na parte política. Foram boas as reportagens nos telejornais e no Fantástico sobre as investigações policiais e o lado humano de Marielle e Anderson. As relações de amor com suas respectivas companheiras, a vida difícil e repleta de lutas de Marielle na voz da família, amigos, companheiros de partido e de movimentos sociais.
Intervenção no Rio
Na questão política, omissões surgiram já na cobertura das manifestações em várias cidades no Brasil e no exterior. Mesmo que majoritariamente com imagens aéreas, as manifestações desta vez foram mostradas, mas com uma motivação restrita: a indignação pelas mortes. Os protestos, iam além disso. Defendiam as questões que Mariella representava e pelas quais lutava. O já usual grito de “Fora Temer” foi ouvido ao longe durante algumas entrevistas, mas o bordão “Por Marielle, eu digo não, eu digo não à intervenção” foi omitido.
Por sinal, em toda cobertura faltou aprofundar por quais ideias Marielle lutava. Não houve aparições dela com áudio, defendendo seus pontos de vista, apesar da grande quantidade de falas disponíveis na internet. A sua firme posição contrária à intervenção federal, a experiência da ação militar durante um ano na Maré, que ela acompanhou, e o fato de ser relatora da Comissão da Câmara de Vereadores criada para fiscalizar a medida foram pouco mencionados.
A própria intervenção federal, na cidade onde o crime aconteceu, passou ao largo do noticiário. A repercussão política foi oficial. Houve preocupação em demonstrar que o governo e as instituições federais estavam reagindo ao crime. Todos os poderes da república se manifestaram e foram inúmeras as autoridades ouvidas. Curiosamente faltou a autoridade maior, neste momento extraordinário vivido pelo Rio, o interventor general Walter Souza Braga Neto, responsável pela segurança pública. Ele se manifestou apenas por meio de uma nota curta. Sua primeira aparição falando sobre o crime e defendendo a intervenção foi nos telejornais de sábado, em um pronunciamento feito na véspera, durante uma solenidade militar bem longe do Rio, em Manaus.
Merval Pereira, em seu comentário no Jornal das 10, da Globonews, no dia 15, deixou claro porque o assunto intervenção não apareceu no noticiário. Não há qualquer relação do crime com a intervenção, garantiu. Mas como desconhecer que o local da ousada ação da dupla execução foi na região central do Rio? A justificativa para a intervenção não foi reduzir a violência, inibir a ação de criminosos? Na mesma noite, no mesmo horário, a execução de um homem a tiros de fuzil, na saída de um restaurante na Barra da Tijuca e o assassinato de outro, na frente do filho, após um assalto, demonstram que, a intervenção e seus resultados, um mês depois, não poderão deixar de ser discutidos e noticiados. E a sequência macabra de violência continuou com novas mortes no fim de semana.
O governo pretendia fazer um balanço de um mês de intervenção, no domingo, no Rio, com a presença de Temer, mas ele foi imediatamente adiado. Foi substituído por uma reunião no mesmo domingo, no Palácio da Alvorada, para anunciar recursos para reforçar a operação. Gerou imagens, matéria no fim do Fantástico, mas ficou faltando a informação principal. Não se sabe ainda o valor que será liberado, e nem quando. Vai depender do Congresso, de uma medida provisória…
Os defensores da ação podem até dizer que a manutenção da violência motiva também a continuidade da intervenção, mas com tanta improvisação e com os últimos acontecimentos não há oficialismo que resista. A violência e as mortes de Marielle e Anderson ampliaram os questionamentos sobre a questão política. No domingo, novas manifestações banharam com “sangue” a entrada do Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro…
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Nereide Lacerda Beirão é jornalista. Foi Diretora de Jornalismo da EBC e da TV Globo Minas, além de professora. Ocupou também a diretoria do Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais. É autora do livro “Serra”, publicado em 2012.