Não estou puxando a brasa para o meu assado. Mas o somatório de uma série de fatores econômicos, culturais e principalmente tecnológicos deu uma sobrevida profissional interessante aos velhos repórteres estradeiros. Os argumentos que vou utilizar para justificar essa afirmação que fiz não são opiniões. São fatos que estão disponíveis nas páginas dos noticiários, em estudos publicados por universidades e em conteúdos de palestras de gente especializada no assunto. E, claro, tem uma pitada de conversa de boteco. Afinal das contas, estamos falando sobre o exercício da profissão de jornalista. Antes de enfileirar os fatos, vou dar uma explicação que facilitará a vida dos leitores que não são jornalistas e dos jovens colegas. Vamos à explicação. Nas redações dos tempos das máquinas de escrever o repórter que viajava para fazer a cobertura dos acontecimentos ou garimpar novas histórias era chamado de estradeiro. Agora, vamos aos fatos.
Tudo começou pelo ano 2000. Na época, os executivos das grandes empresas de comunicação do Brasil chegaram à conclusão que o repórter velho nas redações custava muito caro. Até então, a longevidade do jornalista era garantida pelo número de prêmios que ele ganhava, pelas matérias de repercussão que publicava, pelos livros que escrevia e pela qualidade das fontes que possuía. As primeiras vítimas das demissões nas redações foram os repórteres estradeiros porque, além de velhos e caros, o estilo de jornalismo que faziam custava uma fortuna para a empresa por envolver viagens. A situação econômica dos jornais, revistas, rádios e TVs foi se agravando nas décadas seguintes, com fuga de assinantes e anunciantes para outras plataformas de comunicação que surgiram com as novas tecnologias. Os velhos que restaram nas redações podem ser contados nos dedos. Claro, eu não estou entre eles. Saí em 2014. Não tenho os dados exatos. Mas nos 35 anos que estive pelas redações, a maior parte deles passei viajando pelas estradas, fazendo cobertura de grandes rolos, principalmente de conflitos agrários, e garimpando novas histórias, como a que se transformou no País Bandido, uma série de reportagens que fiz sobre a região da América do Sul que concentra as fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai.
Se tivesse saído da redação uns 15 anos antes, todo o currículo que acumulei durante esses anos de trabalho não teria utilidade. Por quê? Simples. Antes das novas tecnologias de comunicação um repórter velho que perdesse o emprego teria poucas opções para continuar se comunicando com os leitores. Acabaria colocando o pijama. Agora a situação é outra. Existem sites, blogs e outras plataformas de comunicação que podemos usar e continuar fazendo um bom jornalismo. Num passeio pelas redes sociais podemos encontrar grandes repórteres assinando matérias. Todos os dias aparecem novas oportunidades de trabalho fora da redação. Nós repórteres velhos e estradeiros temos que ter claro uma coisa em nossas cabeças. Nunca houve disputa por vaga nas redações entre os velhos e os jovens. O que aconteceu é que os administradores das empresas usaram os jovens para baixar os salários dos jornalistas e aumentar a sua carga de trabalho. É impossível um repórter fazer um bom trabalho cobrindo várias pautas por dia e publicando em diversas plataformas. Dentro desse quadro, qual vai ser o futuro da reportagem? Observando os jornais (papel e site), rádios e TVs podemos notar que a grande reportagem está saindo das redações e rumando para outras plataformas de comunicação. Nos dias atuais, os repórteres estradeiros foram substituídos nas redações pelos comentaristas (econômico, político, esportivo e outros) que trabalham auxiliados por uma equipe de repórteres jovens. Os comentaristas antigos faziam apuração. Os de hoje não têm como fazer porque precisam publicar em todas as plataformas da empresa. Portanto, comem na mão da sua equipe, que por sua vez é alimentada por assessorias de imprensa, sites oficiais do governo e agências especializadas que são contratadas por profissionais para dar visibilidade ao seu trabalho.
Ea grande reportagem? Ainda não é definitivo. Mas a grande reportagem está migrando para os documentários. Por todos os cantos do Brasil surgem equipes que unem velhos repórteres estradeiros a jovens cineastas na produção de trabalhos. Eu lembro que durante a apuração de uma grande reportagem para o jornal uma quantidade considerável de material não era utilizada pelo simples fato de que “as páginas não são feitas de elástico”, como se dizia na época. No documentário tudo é aproveitado porque pode ser resumido em uma imagem. Tive a oportunidade de ajudar a elaborar o roteiro de documentário. É como se fosse uma grande apuração, porque é preciso ter certeza de cada detalhe. A escolha de uma estrada errada para chegar a um lugar pode significar um aumento significativo nos custos. No jornal, se havia uma coisa com a qual jamais me preocupei era saber quanto custaria ir até a um lugar para fazer uma apuração. Aprendi na marra a levar em conta o custo da apuração. Descobri que o conhecimento do repórter e as suas fontes são itens valiosos na elaboração de um trabalho. Lembro-me que quando trabalhava na redação havia uma brincadeira entre os repórteres que era a seguinte: “faço duas ou três ligações para as minhas fontes e desenrolo a história”. Arrematando a nossa conversa. De uma coisa, meus colegas, tenham certeza. A reportagem como a conhecemos nunca desaparecerá, porque ela é um dos pilares do nosso modo de vida. Não interessa se ela é apresentada como um texto escrito em um jornal, ou num documentário em forma de vídeo, ou seja lá de que maneira for. Interessa é o conteúdo. Tem sido assim desde que o mundo é o mundo.
Texto publicado originalmente em Histórias Mal Contadas.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.