A estratégia do presidente Jair Bolsonaro (PL) para se manter no cargo nas próximas eleições é simples e aparentemente eficiente. Ela tem duas frentes. A primeira é vencer a disputa no voto. Aqui entra a sua a aliança com os parlamentares do Centrão. Uma aliança sustentada pelas verbas das emendas parlamentares e do Orçamento Secreto, como são descritos pela imprensa os arranjos contábeis enfiados no meio da contabilidade do governo federal. A segunda frente tem a função de vender a ideia de que haverá fraude nas eleições. Ela é formada por um acordo feito com os generais (ativa, reserva e reformados) que ocupam cargos no governo, como Braga Netto, ministro da Defesa. Além deles, há mais um contingente de 6 mil militares, de diversas patentes, e policiais militares que ocupam cargos de chefia na máquina pública federal. Esse pessoal foi beneficiado por um decreto do presidente da República que permitiu que os seus ganhos possam furar o teto salarial do funcionalismo federal, em torno de R$ 40 mil por mês.
No caso dos generais, até o decreto só podia ser incorporada aos soldos pagos pelo Exército a quantia que completasse o teto dos funcionários públicos. Agora pode ser incorporado todo o ganho da função atualmente desempenhada. Com isso, tem general recebendo mais de R$ 100 mil – há matéria na imprensa. Há um fato que considero fundamental explicar para o leitor a respeito desses dois acordos. No caso do Centrão, ele não se dá por simpatia política. E em relação aos generais não tem nada a ver com ideologia ou camaradagem da caserna. Os dois acordos envolvem dinheiro. No caso dos parlamentares, os recursos das emendas. E no dos militares, o reforço nos seus vencimentos. Caso a candidatura à reeleição de Bolsonaro naufrague, os parlamentares do Centrão pularão fora antes do barco afundar. Pelos menos esse tem sido o comportamento do grupo em outros acordos. Tudo que escrevi até aqui são fatos que temos publicado nos últimos três anos sobre o governo Bolsonaro. Agora vou propor aos colegas uma reflexão sobre os militares, especialmente os generais, que fazem parte do governo federal. O que nós já sabemos? Eles não representam as Forças Armadas. Estão lá por conta própria. Fazem parte de um grupo maior de militares que inicialmente acreditou que poderia manobrar Bolsonaro e evitar os seus excessos, e acabou descobrindo que ninguém diz para o presidente o que fazer. Alguns pularam fora do governo. Os que ficaram se submeteram à vontade de Bolsonaro. A pergunta é a seguinte: eles se envolveriam em uma maluquice do presidente, como ir para o pau com a Justiça Eleitoral contestando o resultado das eleições?
Podemos responder a essa pergunta com os fatos que conhecemos. Até agora, Bolsonaro tem como sua marca registrada agir como incentivador de agressões à democracia, mas na hora do “pega” ele recua e deixa os seguidores abandonados à própria sorte. Foi assim com a tentativa, em junho de 2020, da agressão ao Supremo Tribunal Federal (STF) que ficou conhecida como “300” – um grupo acampou na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e jogou fogos de artifício contra o prédio do STF. Pelos menos cinco militantes bolsonaristas foram presos, entre eles Sara Winter. Em 2021, no Dia da Independência, numa tentativa de reinstalar o regime militar, Bolsonaro fez um pronunciamento em que, entre outras maluquices, proferiu desaforos contra ministros do STF para uma imensa plateia de apoiadores. Acabou recuando e deixou seus apoiadores pendurados no pincel. O fato é o seguinte. Seja qual for o resultado das eleições, o certo é que os militares que fazem parte do atual governo seguirão recebendo as suas aposentadorias. Por que arriscariam se envolver em uma das maluquices de Bolsonaro? Ainda mais sabendo do hábito do presidente de deixar os seus seguidores na mão. O que se tem especulado muito é ocorrer algo semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos. Lá, seguidores do então presidente Donald Trump (republicano) invadiram o Capitólio (Congresso) para tentar impedir a posse de Joe Biden (democrata), que derrotara Trump numa eleição que o candidato republicano acusou de fraudulenta.
Épossível que um fato como esse se repita no Brasil, em caso de derrota de Bolsonaro? Hoje seria uma insanidade afirmar qualquer coisa a respeito. O que podemos discutir é que, pelos números atuais das pesquisas eleitorais, o presidente brasileiro é mais impopular do que Trump. Uma das razões, reconhecida pelos bolsonaristas, é a posição negacionista de Bolsonaro em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid. Trump era contra as vacinas. Mas não deixou de comprá-las na hora certa para os americanos. Ao contrário do presidente brasileiro, que armou um baita rolo para comprar os imunizantes. Há mais um fator. Bolsonaro tem contra si o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, que coloca as digitais do seu governo na morte dos mais de 600 mil brasileiros. Trump não teve um relatório de CPI contra ele. O que estou citando na nossa conversa são vários fatos conhecidos que precisam ser melhor esmiuçados por nós jornalistas na tentativa de termos uma ideia do que vem por aí nas eleições presidenciais.
Tendo uma ideia do que vem por aí, evitamos publicar bobagens. O que já é uma grande coisa. Lembro o seguinte. No final do ano passado, as Forças Armadas enviaram uma série de perguntas para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pedindo informações sobre a segurança das urnas eletrônicas que são utilizadas nas eleições há mais de três décadas sem problemas. No final do mês passado, Bolsonaro falou nos noticiários que as Forças Armadas tinham dúvidas sobre a segurança das urnas. O então presidente do TSE, ministro Luiz Roberto Barroso, disse que enviou para os militares um documento com 700 páginas respondendo às 80 perguntas que tinham feito. A maioria delas são de caráter estritamente técnico – há matérias na internet. Não tem nada de mais na história. Mas a maneira como o presidente falou e o assunto foi noticiado dava a ideia de que se tratava de outra coisa. Nós não temos como deixar de noticiar o que a maior autoridade do país, o presidente da República, fala. Mas nada nos impede de avisar o leitor que o assunto ainda está sendo esclarecido.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, em São Paulo.