Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dois pesos, duas medidas

No dia seguinte às manifestações populares de 13 de março, favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, o Estado de São Paulo trouxe na capa de sua edição a data “13/03/2016” como título à frente de uma foto panorâmica da Avenida Paulista colorida de verde e amarelo pelos milhares de manifestantes que a lotaram. Sem chamada alguma para qualquer outra matéria dentro do jornal, nem mesmo para a cobertura dos protestos. A capa aponta a data, mesmo sem usar palavras para isso, como histórica para a nação, o que é justificável, já que a presença de 500 mil manifestantes – segundo contagem do Datafolha – tratava-se do maior ato político da história de São Paulo. Estadão Capa 13.03

Quase seis meses depois, num cenário político bastante alterado pelo processo de impeachment aplicado em Dilma Rousseff, os manifestantes tomaram novamente a mesma Avenida Paulista. Desta vez, o pedido era pela saída de Michel Temer da presidência e a convocação de novas eleições diretas. É bem verdade que o número de pessoas era menor: 100 mil segundo a contagem dos próprios participantes, mas era de se esperar, de um jornal que preza – ou deveria prezar – pela isenção e imparcialidade em sua função de informar, um tratamento no mínimo proporcional em espaço editorial e com a mesma conotação. Não é o que vemos na capa que sucede a data das manifestações contra o governo de Michel Temer.

A chamada principal da capa do Estadão de 05 de setembro de 2016 é: “Governo acelera projeto de terceirização no Senado”, com uma linha fina que define o projeto de terceirização irrestrita de qualquer tipo de atividade profissional como “uma medida que representa redução de custos trabalhistas”. Há um texto de resumo de três colunas ressaltando o desejo do Governo de acelerar os trâmites de aprovação do projeto e uma quarta coluna com o título “visões opostas”, em que é mencionada primeiramente a opinião da Confederação Nacional das Indústrias: “reforma é um dos ‘avanços fundamentais’ para a melhora do ambiente de negócios”. Posteriormente, finalmente é exposta uma opinião contrária ao projeto, porém resumida em dez palavras: “Centrais sindicais dizem que o projeto só beneficia as empresas”.

Estadão Capa 05.09

Primeira Página do Estadão de 5/9/2016

Já na foto principal da capa, também um assunto que em nada tem conexão com as manifestações de 100 mil pessoas em São Paulo no dia anterior. O jornal preferiu dar destaque para a missa realizada em Roma, onde o Papa Francisco canonizou Madre Tereza de Calcutá. Certamente o critério utilizado para definir qual dos dois eventos merecia o destaque não foi o número de pessoas envolvidas, já que a missa de Roma também contou com 100 mil participantes. A diferença é que lá, ao contrário da Avenida Paulista, não eram 100 mil brasileiros, nem 100 mil moradores de São Paulo. Irônico para um jornal que se chama O Estado de São Paulo

5% do espaço da página

Outro fato do domingo que possui mais espaço na capa do Estadão do que as manifestações da Paulista é a aposentadoria do jogador de vôlei Serginho, da seleção brasileira. Evento que ocorreu em Brasília. Na parte central da capa, ainda é feita uma chamada um tanto quanto confusa para uma matéria sobre o vazamento, na Austrália, de dados de submarinos iguais aos que o Brasil comprou recentemente, e outra para a opinião de um empresário que afirma que Temer terá “condições para conduzir os ajustes necessários para o país”.

No canto direito da capa, abaixo da chamada para uma matéria sobre o adiamento da reforma da Previdência, finalmente, a chamada para a cobertura das manifestações. Com o título “Manifestações contra Temer tem tumulto em São Paulo”, o Estadão já, antes de mais nada, liga o ocorrido à uma ideia de desordem e perturbação da segurança pública. No texto, o trecho “O protesto começou pacificamente à tarde, na Avenida Paulista, após evento com a tocha paralímpica, e terminou à noite no Largo da Batata, na zona oeste, onde houve tumulto e correria” logicamente promove uma ligação de paz e tranquilidade ao evento da tocha paralímpica e de tumulto e correria à manifestação contra Temer.

O texto continua: “A Tropa de Choque usou bombas de gás e de efeito moral para dispesar (sic) os manifestantes. Nove pessoas foram detidas”. Não é explicado o porquê dos tumultos, das reações – ou seriam ações? – da Tropa de Choque, nem da detenção de nove protestantes. Fatos estes, que tiveram sua inevitabilidade fortemente questionada nas redes sociais e por outros veículos da mídia. Para terminar, a chamada ainda divide espaço com a opinião de um economista e escritor, não sobre a manifestação ou sobre a posição de poder que ocupa Michel Temer – o que ajudaria a contextualizar os protestos, mas sobre a crise financeira: “Dilma foi a grande aceleradora da crise”, afirma o especialista.

Se a manifestação de março, contra Dilma, foi exaltada e contemplada com toda a capa do Estadão, a de agora não teve o mesmo prestígio: apenas cerca de 5% do espaço da capa, posicionada numa coluna periférica, com um título e um texto que apenas a conectam à ideia de baderna, sem mencionar o número de participantes e com a opinião de um especialista logo em seguida que aponta Dilma Rousseff como a responsável pela crise financeira do país. Com a capa, o jornal quase que diz: “A manifestação não tem grande importância para a sociedade, Dilma mereceu o impeachment e os baderneiros não deviam estar causando tumulto.

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André Lux é estudante de jornalismo