Sexta-feira, 14 de março de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1329

Influenciadores digitais aceleram a ‘desinstitucionalização’ do jornalismo

(Foto de Artem Podrez/ Pexels)

A acelerada multiplicação dos chamados influenciadores digitais reduz cada vez mais o espaço ocupado pelo jornalismo junto ao público consumidor de notícias, principalmente entre os jovens adultos com menos de 35 anos. Isto significa que o exercício do jornalismo está deixando de ser associado a instituições como a imprensa e a metáforas como “quarto poder” ou “cão de guarda dos poderosos”. É o que se tornou conhecido como desinstitucionalização, ou seja, o debilitamento de estruturas que garantem o funcionamento de atividades sociais como, por exemplo, o jornalismo. 

O fenômeno da produção individual de informações, além de mudar os hábitos e a forma como as pessoas acessam a notícia, começa a alterar as próprias estruturas sobre as quais o jornalismo se apoia desde o surgimento da comunicação em massa, há pouco mais de um século. Pesquisas do Pew Research Center, nos Estados Unidos, mostram que um em cada cinco norte-americanos (20%) se informa exclusivamente através de influenciadores digitais. A proporção é ainda maior (37%) entre os jovens com menos de 29 anos.

Estamos diante de um processo de disrupção (1) inédito na história do jornalismo, porque toda a atividade está sendo alterada. Primeiro, foram os métodos de produção de notícias com a chegada dos computadores, da internet e agora da inteligência artificial. A vítima seguinte foi a crise no modelo de negócios da imprensa analógica, responsável pelo fechamento de quase metade de todos os jornais do mundo. Agora é a própria institucionalidade da imprensa que está sendo afetada pelos cerca de 50 milhões de produtores independentes de conteúdos digitais (2) espalhados pelo mundo e que geram aproximadamente 250 bilhões de dólares anuais, segundo um estudo feito em 2023 pela empresa Goldman & Sachs.

A crise no modelo de negócios da imprensa tradicional fez com que jornais enxugassem drasticamente as redações provocando um aumento agudo no desemprego entre jornalistas. A grande maioria dos que perderam emprego acabou se tornando influenciador jornalístico, também conhecido pelo jargão inglês newsfluencer, tanto de forma individual como em pequenos projetos noticiosos. Outros criaram blogs pessoais agrupados em plataformas como Medium, Substack e Patreon. Muitos destes imigrantes digitais acabaram reunindo na internet até 16 milhões de seguidores, como é o caso do jornalista norte-americano de extrema direita Joe Rogan.

Como era de se esperar, o crescimento e a prosperidade dos influenciadores digitais não foram bem-vistos pelo jornalismo na grande imprensa. A resistência foi provocada pelo fato de os produtores independentes de notícias estarem ocupando espaços crescentes no âmbito da informação pública, acabando com uma exclusividade e poder centenários. Mas também é claro que como a atividade dos influenciadores é muito recente e não regulamentada, multiplicaram-se os casos de práticas delituosas, especialmente as econômicas, por aproveitadores e espertalhões cibernéticos.

A tribo dos informadores

A situação fica ainda mais complexa quando levamos em conta que a produção de conteúdos informativos se diversificou muito em função das novas possibilidades de comunicação na era digital. A partir do momento que a informação passou a ser a principal matéria-prima da era digital, o campo ocupado por aqueles que trabalham com ela entrou num período de quebra de paradigmas que ainda desorienta muita gente. Surgiram novas funções dentro do campo da comunicação social como os checadores de notícias, relações públicas e ativistas da informação, só para citar os casos mais conhecidos. O que todas estas atividades têm em comum é a informação, só que ela não é percebida da mesma maneira por toda esta vasta gama de informadores.

Assim, para entender as divergências entre os vários grupos de informadores é necessário começar por ver o que está acontecendo com a informação. Ela está deixando de ser um produto, algo que se compra e vende, como acontece no sistema analógico clássico, para se tornar um ativo imaterial fluido e mutável. Além disso, os jornalistas já não têm mais o controle sobre a identificação, edição e distribuição de dados numéricos, fatos e eventos passíveis de serem classificados como notícias.

Todas estas mudanças acabaram debilitando o poder das instituições criadas ao longo do tempo e que tornaram a produção de notícias um negócio altamente rentável. A perda de poder econômico gerou desdobramentos políticos, já que o espaço antes ocupado pela grande imprensa na agenda pública de debates está sendo gradualmente ocupado pela miríade de novos produtores de informações e notícias. A desinstitucionalização do jornalismo afeta também estruturas como os sindicatos profissionais de jornalistas e associações de donos de empresas jornalísticas, bem como leis e processos jurídicos relacionados à propriedade intelectual.

Este conjunto de mudanças tem origem em transformações disruptivas geradas pela avalanche informativa que deu às pessoas a possibilidade de ter acesso à várias visões diferentes de um mesmo fato, acontecimento ou dado numérico. Esta diversidade de abordagens permite entender por que há diferentes atividades que trabalham com informações e notícias como, por exemplo, o jornalismo, influenciadores, ativistas da informação, relações públicas e checadores de notícias.

A função de todo comunicador é procurar transmitir a informação da forma mais objetiva, isenta, exata e relevante possível. Quando tomamos a informação como referência principal para jornalistas, influenciadores, produtores de conteúdo e também relações públicas, checadores e ativistas, as diferenças entre estas funções perdem qualquer sentido antagônico. Todos compartilham a mesma obrigação de produzir informações confiáveis e combater a desinformação.

Quem é quem

A diversidade de enfoques do papel da comunicação social no mundo digital ficou bem clara numa mesa redonda realizada na Universidade do Texas em abril do ano passado (e que deu origem a este documento), com a participação de jornalistas, influenciadores e produtores de conteúdo informativo. A análise das intervenções permitiu identificar algumas percepções gerais sobre o trabalho de cada grupo:

  1. Influenciadores – sua especificidade se baseia no fato de que têm mais liberdade para informar, sem a rigidez e o formalismo que caracterizam o exercício do jornalismo na grande imprensa. Sua principal característica é que atuam através de plataformas digitais, onde estão sujeitos às regras corporativas em matéria de ética, remuneração e estratégias políticas.  Em geral, se especializam num tema ou usam o carisma pessoal para atrair seguidores, quase sempre com um forte interesse financeiro.
  2. Jornalistas – profissionais responsáveis pela informação pública ao longo dos últimos dois séculos, mas que hoje perdem gradualmente esta exclusividade dada a diversificação de produtores de notícias, comentários e entrevistas na internet. A atividade jornalística passa por profundas transformações sem que seja possível definir qual será o seu perfil futuro, na era digital.
  3. Produtores de conteúdos – nesta categoria situam-se os chamados ativistas da informação, comprometidos com a promoção (advocacy) de alguma causa social, política, legal, econômica ou ambiental. São profissionais que abrem mão da imparcialidade e isenção em questões específicas, mas continuam submetidos ao compromisso de veracidade e exatidão. Estão nesta categoria os produtores de conteúdos ambientais e de gênero.

Embora não tenham participado da mesa redonda no Texas, os relações públicas, assessores de imprensa e checadores de informações também integram o campo dos comunicadores que lidam com a mesma matéria-prima, a informação e, portanto, estão sujeitos às mesmas condições para sua produção e disseminação. A diferença nestas atividades é que sua legitimidade e credibilidade está diretamente ligada à transparência de seus objetivos e métodos (3).

Ainda são fortes as discrepâncias entre jornalistas, influenciadores, relações públicas, assessores e ativistas da informação. Mas as divergências tendem a diminuir de intensidade na medida em que todos incorporem as mudanças geradas pela internet e pela digitalização no campo da comunicação e da informação.  Afinal, todas estas funções trabalham com a mesma matéria-prima – a informação.

  1. Disrupção é um termo recente inspirado na palavra inglesa disruption e que é usado para identificar os processos de desorganização, desestruturação e desestabilização gerados pela introdução maciça da tecnologia digital na sociedade contemporânea.
  2. Os jornalistas full time formam aproximadamente 1/5 deste total de 50 milhões de produtores de conteúdos digitais. É um percentual estimado pela Goldman Sachs, que admite a inexistência de dados mais detalhados sobre quem trabalha part time.
  3. Quem estiver interessado e mais detalhes sobre o tema do artigo pode acessar os seguintes endereços: https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/digital-news-report/2024/rise-alternative-voices-and-news-influencers-social-and-video-networks 

https://shorensteincenter.org/future-trustworthy-information-learning-online-content-creators/

https://www.aol.com/creator-economy-worth-estimated-250-211500884.html

https://shorensteincenter.org/new-event/21st-century-media-meet-online-influencers-trusted-accountability/ 

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.