Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Mário Magalhães: a vida humana é fascinante

Alguns escritores têm dedicado anos de pesquisa para desvendar, revelar e registrar a história nacional através dos personagens inseridos em cada momento dela. A importância de tais profissionais é inegável, já que suas obras auxiliam na compreensão do nosso passado. Mas e as histórias que vão além dos biografados, àquelas que fazem parte da vida e do ofício dos biógrafos? Quais são suas dificuldades dentro da profissão?

Algumas respostas são reveladas pelo jornalista Mário Magalhães, autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”, e que atualmente trabalha nas pesquisas para colocar nas páginas de um livro a vida de Carlos Lacerda.

Mário não escreve ficção. Entende que não precisa inventar histórias, pois considera que os nossos personagens reais, com suas vidas lastreadas em sangue e suor, ainda têm muito para contar.

Quando iniciou as pesquisas para o livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” – obra que narra a trajetória do baiano Carlos Marighella -, o jornalista Mário Magalhães não imaginava que seriam necessários mais de nove anos de trabalho até a biografia ser publicada. Na cabeça dele, em dois, no máximo, três anos, tudo estaria pronto. Foi o amigo Xico Sá quem alertou: “Rapaz, isso é projeto para 10 anos!”.

Não imaginou que no meio do caminho teria que utilizar todo o pé-de-meia acumulado desde 1986, efetuaria três empréstimos bancários, além de pedir demissão duas vezes da Folha de S. Paulo – no qual era repórter especial – para se dedicar exclusivamente, durante mais de seis anos, à obra que pretendia lançar.

Ele poderia ter terminado no tempo previsto inicialmente, “mas não seria o livro que eu publiquei, seria outro livro”, garante o autor. Magalhães diz que já ouviu escritores se jactando em entrevistas por terem desenvolvido seus livros em seis meses. Ele concorda: é possível fazer, mas salienta que o problema é quando os leitores percebem que o livro foi escrito em seis meses.

“Essa questão do tempo diz respeito ao livro que você quer. No caso do Carlos Lacerda, tem pouco mais de dois anos que resolvi fazer a biografia, mas as informações sobre ele, inclusive segredos históricos, eu guardo, coleciono há mais de 20 anos”, ressalta Magalhães, que já realizou entrevistas com figuras importantes na história do ex-governador do estado da Guanabara 15, 20 anos atrás. “Entrevistei o policial que o prendeu, em 1933 – já está morto hoje -, e, 15 anos atrás, entrevistei o primo do Lacerda, que estava com ele no momento em que foi preso”.

Durante as pesquisas para a biografia de Carlos Marighella, Mário Magalhães apurou um vasto volume de material. Ao todo foram trinta e dois arquivos públicos e privados – divididos em cinco países -, 600 livros na bibliografia, 256 entrevistados. Mas o mais difícil foi escrever.

O autor tinha a consciência de que deveria contar a história do guerrilheiro que incendiou o mundo da maneira mais encantadora e surpreendente possível. Seria digno à história fabulosa que apurou. Faz questão de salientar que, no caso do Marighella, não tinha o direito, por mais denso e profundo que o livro pudesse ser, não tinha o direito de, ao contar a história de um homem, cuja vida foi marcada pela ação, escrever um livro que fosse um soporífero. Um convite ao sono. Seu objetivo foi alcançado. A matéria-prima o ajudou.

Ele sabe que em seu próximo livro, a biografia de Carlos Lacerda, o desafio será o mesmo: escrever. Porque, mais uma vez, o volume documental é muito grande. De acordo com o autor, maior do que com relação ao Marighella. “Apurações monumentais, no mais das vezes, costumam resultar em relatos enfadonhos, em relatos burocráticos, às vezes, tão emocionantes quanto uma bula de remédio”, comenta Magalhães. “O biógrafo, em vez de se beneficiar da robustez e da amplitude da informação, acaba sucumbindo diante dela. Ou seja, ele abre mão de impor um relato encantador, para emplacar mais informações”.

O jornalista utiliza um mote que aprendeu com o colega Humberto Vasconcelos, à época editor do segundo caderno do jornal O Globo, para exemplificar a necessidade do repórter, assim como o biógrafo, abordar os seres humanos envolvidos na notícia, na história: “gente gosta de gente”. A vida das pessoas, segundo Magalhães, fala mais do que estatísticas. Por mais que os números possam traduzir tragédias, triunfos, eles são frios, são gélidos. “A vida humana, com todas as nossas misérias, continua sendo algo muito fascinante”.

Através da narrativa que prioriza o personagem também é possível entender um tempo, compreender lugares. Por isso que Mário tem o desejo de que sua segunda obra biográfica – que será publicada pela Companhia das Letras, assim como a primeira – seja lançada na campanha eleitoral para o pleito de 2018. O autor garante ser impossível entender o Brasil do século XXI sem conhecer Carlos Lacerda. Desde o Lacerda comunista até o anticomunista.“Porque a biografia dele é um pouco a história do extremismo”, justifica.

Apesar da vontade de que o livro saia ainda em 2018, Magalhães acha que vai ser difícil. Tem trabalhado entre onze, doze horas por dia, todos os dias. Seu novo protagonista teve uma vida extremamente agitada. Aos 16 anos, por exemplo, antes da revolução de 1930, Carlos Lacerda já assinava matéria no jornal Diário de Notícias. Era assistente de Cecília Meireles, na página de educação. “A minha grande ambição com o Marighella, e agora com o Lacerda, é que, daqui 100 anos depois de o livro ser publicado, alguém o pegue, veja e diga ‘poxa, o Brasil era assim.”

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Paulo Pontes é jornalista e já teve seus textos publicados na revista Roadie Crew e nos sites Obvious e ScreamYell. Atualmente trabalha em um livro reportagem – provisoriamente intitulado “A Arte de Narrar Vidas” -, com perfis de grandes biógrafos brasileiros.