Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O diferencial da liberdade de expressão

A última fala do presidente Obama, dos Estados Unidos, reconhecendo e valorizando a atuação institucional da imprensa, que está amplamente divulgada na mídia nacional e internacional, cria oportunidade para esclarecer sobre certos equívocos repetidos em websites da internet  em que a liberdade de expressão é tida erroneamente como manifestação de opiniões e ideias “pessoais” (1).

Conforme o Art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos toda a pessoa tem o direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de defender opiniões sem interferência e de buscar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de comunicação e sem consideração de fronteiras. / Everyone has the right to freedom of opinion and expression; this right includes freedom to hold opinions without interference and to seek, receive and impart information and ideas through any media and regardless of frontiers. (Art. 19 da Universal Declaration of Human Rights – UDHR, Nações Unidas, 1948).

O equívoco na divulgação desse Art. 19 UDHR consiste em referir abusivamente a palavra “pessoais” para supostamente completar a proposição que afirma e protege o direito humano …de receber e difundir informações e ideias….

O problema do critério diferencial

O direito à liberdade de opinião e expressão é substantivo e a pessoa tem garantia institucional para defender opiniões sem interferência e difundir ideias. A interpolação equivocada e abusiva da palavra “pessoais” para qualificar o termo ideias descaracteriza a disposição da UDHR, exatamente porque impõe uma interferência restritiva repudiada justamente no referido Art. 19 UDHR. A liberdade que esse artigo defende diferencia-se precisamente contra toda a interferência e contra toda a restrição de fronteiras. Daí liberdade de expressão, cuja efetividade passa pelos meios de comunicação.

Na realidade, a questão que levantam diz respeito à espécie que diferencia a liberdade de expressão diante de uma manifestação em que ela não seja reconhecida.

Condição institucional dos meios de comunicação

Na perspectiva do referido Art. 19 UDHR, é o fato de que as opiniões e as ideias passam por algum meio de comunicação (inclusive internet) que as tornam expressão, fazendo com que adquiram efetividade como manifestação publicada do respectivo autor.

Os termos da manifestação observada, em sua particularidade, não especificam o diferencial da liberdade de expressão. Fazem parte dos meios de comunicação, os quais, por sua condição institucional, não divulgam “rabiscos” incomunicáveis.

Por não permanecerem indiferentes, os meios repelem aqueles termos desclassificados ou inclassificáveis. Em consequência, a liberdade de expressão ultrapassa a função deste ou daquele termo ou locução, que tenha sido usado ou esteja não dito, como, por exemplo, a declaração do manifestante / autor de que o conteúdo por ele proposto releva de seu entendimento pessoal, à exclusão de um conhecimento diretamente implicado na matéria.

A responsabilidade individual

Pelo contrário, há liberdade de expressão lá onde o indivíduo autor defende opiniões e difunde informações e ideias sem interferência nem restrição de fronteiras. As informações e as ideias como tais, independentemente de qualquer coloração que se possa atribuir-lhes, e acima dos conteúdos comunicados, são indispensáveis na liberdade de expressão. Da mesma forma, a responsabilidade individual está afirmada em toda a manifestação publicada de um manifestante / autor, que se afirma como autor exatamente porque é o titular do entendimento comunicado nas opiniões, informações, ideias difundidas naquele meio de comunicação, quer se trate ou não de um conhecimento diretamente implicado na matéria.

As mentalidades

Isso, o fato de que o autor é o titular do entendimento comunicado, nada tem a ver com a imputação equivocada e abusiva de que, na liberdade de expressão, as ideias são “pessoais”. Este qualificativo é inaplicável à manifestação de ideias ou à difusão de informações. “Pessoais” são as preferências subjetivas, as veleidades, sejam elas referidas ao paladar de uma iguaria, às vestimentas da moda, ou a qualquer coisa de que alguém possa afirmar sua preferência dentre outras alternativas.

Na liberdade de expressão, pouco valem as preferências subjetivas de alguém como critério diferencial. O referido Art. 19 UDHR protege as opiniões, as informações e as ideias como elementos de comunicação social. Se os juízos afirmam a verdade sobre alguma coisa, ainda que contrariem o reconhecimento coletivo, as opiniões, por sua vez, deles se diferenciam porque são mais incertas, participam de mentalidades, nas quais, enfim, os sujeitos sociais se reconhecem ou podem vir a se reconhecer.

A comunicação social como dimensão do psiquismo coletivo

Em realidade, esse desvio em representar a liberdade de expressão como restrita às preferências “pessoais”, embora desprovida de fundamento, pode ser atribuída ao reflexo das teorias atomistas, que, desde a filosofia social de Thomas Hobbes, reduzem a realidade social a uma interação de indivíduos isolados. Além disso, os sociólogos formalistas – Max Weber inclusive – desconsideram a realidade social em seu conjunto como integrada.

Em oposição a essas teorias equivocadas e refratárias aos Direitos Humanos, que, sem diferenciá-la, incorrem na redução de qualquer sociabilidade à simples interdependência e interação recíproca, sociólogos notáveis como Durkheim (França) e Cooley (EUA) ensinaram que, por irredutíveis aos indivíduos, os fatos sociais exercem sobre eles uma preeminência psicológica e moral, e que, em consequência, todas as interações, todas as relações com outrem (interpessoais e intergrupais) são sempre fundadas sobre participações diretas ou fusões parciais em os Nós-outros, como totalidades.

Da mesma maneira, essa implicação mútua que, dentre outras intermediações, acentua a dinâmica da sociabilidade humana, permite dar precisão à ligação entre o psiquismo individual, o psiquismo interpessoal ou intergrupal (dito “psiquismo social”) e o psiquismo coletivo. O fundamento é a constatação seguinte: (a) no psiquismo coletivo tem lugar uma fusão prévia das consciências (assegurando a mesma significação aos signos e aos símbolos, como nas palavras de uma língua); (b) o psiquismo interpessoal ou intergrupal implica os dois outros, pois, se esse psiquismo é afirmado nas suas manifestações na comunicação, (c) nenhuma comunicação pode ter lugar fora do psiquismo coletivo. Razão essa tanto mais forte quando se observa mais profundamente os psiquismos individuais, pois esses são os que comunicam.

Sem embargo, o fato desses psiquismos individuais comunicarem tem uma condição, a saber: supõe sua diferenciação tanto quanto sua fusão (no psiquismo interpessoal prevalecem as relações de aproximação, afastamento e mistas). Sociológica esta que, finalmente, põe em relevo não só a indispensabilidade da proposição enunciada no item (c), mas faz reconhecer que, em fato, nenhuma comunicação pode ter lugar fora do psiquismo coletivo, conforme o constatado. Desta forma, não há negar que as opiniões, as informações, as ideias comunicadas pelos meios de comunicação não somente implicam o reconhecimento coletivo e suas intermediações, mas tiram sua consistência das mentalidades, simultaneamente individuais e coletivas.

1) Ver definição : Liberdade de expressão é o direito de qualquer indivíduo manifestar, livremente, opiniões, ideias e pensamentos pessoais sem medo de retaliação ou censura por parte do governo ou de outros membros da sociedade. É um conceito fundamental nas democracias modernas nas quais a censura não tem respaldo moral (fonte Wikipédia)”

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Jacob J. Lumier é sociólogo