Tuesday, 05 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

>>Crise, chantagem e desmatamento
>>Os lapsos da história

Crise, chantagem e desmatamento

Os jornais do fim de semana dividiram o espaço mais nobre entre a crise envolvendo o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, e a iminente votação do projeto de mudanças no Código Florestal.

Como foi registrado neste Observatório na semana passada, a imprensa tem como certo que a votação do polêmico projeto pode ser antecipada por conta de um acordo entre o governo e a bancada ruralista para evitar a convocação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o enriquecimento do ministro.

Nesta segunda-feira, em entrevista publicada pelo Globo, a senadora Marina Silva (PV-AC) afirma que o governo está sendo chantageado por parlamentares interessados em aprovar a anistia aos desmatadores.

Ainda no decorrer da semana passada, os jornais informaram que o desmatamento na Amazônia aumentou quase 30% em decorrência da promessa de anistia contida no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

A queda de braço envolve ainda o interesse do governo em fazer aprovar duas medidas provisórias, uma que tenta acelerar as obras de infraestrutura para a Copa do Mundo e as Olimpíadas e outra que incentiva o desenvovimento da energia nuclear.

A oposição, evidentemente, procura desmentir que o caso envolvendo o ministro seja a moeda de troca para aprovação do novo Código Florestal, mas os fatos noticiados pelos jornais não deixam dúvida sobre a chantagem.

O episódio, que marca a primeira crise no governo da presidente Dilma Rousseff, deve sinalizar muito mais do que um embate entre a banda podre do agronegócio e os ambientalistas.

Trata-se de um teste para a própria chefe do governo, que foi eleita na esteira da popularidade histórica de seu antecessor, com fama de boa administradora.

A falta de transparência na vida privada do homem forte do governo coloca em risco não apenas sua reputação como governante, mas também sua autoridade para conduzir o país no momento em que o crescimento econômico precisa ser equilibrado com o atendimento de carências básicas e o controle da inflação.

No momento em que ela precisa contar com uma bancada leal e afinada, o que se tem é um bando de rapinas tentando tirar vantagem.

E a imprensa?

A imprensa, como sempre, quer ver sangue.

Os lapsos da história

Alberto Dines:

O noticiário da internet de ontem à noite registrou a vitória da oposição direitista nas eleições espanholas. Embora apenas no âmbito municipal, foram eleições complicadas porque há uma semana estão acampados no marco zero de Madri, a famosa Puerta del Sol, milhares de jovens protestando contra o desemprego e a falta de perspectivas.

A autoridade eleitoral proibiu as manifestações, o governo socialista não as reprimiu porque reconhece a validade do protesto. Mesmo sabendo que o vitorioso PP defende cortes ainda mais drásticos na área social, a sociedade espanhola quis registrar a sua frustração. Isto está nos jornais de hoje, mas não nos de ontem, véspera do pleito.

Os jornalões faturaram muito bem o último domingo do mês, os dois paulistanos chegaram a lotear as suas capas para o mesmo anunciante (a operadora Claro), mas os porteiros das nossas redações não tinham tempo para prestar atenção no pré-fato, a gigantesca concentração batizada como 15-M, 15 de Maio, dia em que começou.

Seria apenas uma “jornada de reflexão” e acabou reunindo uma formidável massa de jovens, altamente conscientizados, pacíficos, empenhados numa reedição  de Maio de 68 de Paris que deixará os partidos espanhóis, inclusive os de esquerda, irremediavelmente envelhecidos. Um dos cartazes, entre centenas de outros, parodiava a famosa frase de Descartes: “Pienso, luego insisto”.

A Europa está em clima de mudança, o populismo de direita, xenófobo, está crescendo, o estado do bem-estar social assumiu o seu fracasso. Apesar do crescimento econômico da China quem continua dando o tom do diapasão político no Ocidente é a Europa. Os leitores dos jornais brasileiros mereciam conhecer estes lances. A história que lhes chega todos os dias pelos jornais é descontínua, cheia de lapsos, incompleta.