Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Imprensa fala a língua do especulador sobre a explosão dos preços dos alimentos

(Foto: Jonas Oliveira/Fotos Públicas)

É de cortar os pulsos ouvir, ler e assistir às explicações dos colegas jornalistas especializados em economia sobre a explosão dos preços das carnes e dos grãos no comércio varejista do Brasil. As análises deles acabam se espalhando pelos mais longínquos rincões, porque são usadas como recheio nas notícias produzidas pelos repórteres que cobrem o dia a dia dos jornais (papel e site), rádios, TVs e outras plataformas. O principal argumento utilizado pelos colegas para explicar a disparada dos preços é o aumento da demanda por grãos e carnes (suína, aves e gado) por parte dos mercados externos, principalmente a China. Somam a esse fato a distribuição do auxílio emergencial do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), os 600 reais. As explicações estão corretíssimas. Mas não é tudo. E sobre isso que quero conversar, principalmente com os repórteres envolvidos na cobertura do dia a dia.

Antes de seguir conversando. Não estou usando a palavra especulador de maneira pejorativa. Ele é um profissional presente em todos os sistemas econômicos do mundo. No caso do capitalismo, é a pessoa que compra e vende no atacado mercadorias e capitais. Ele se abastece de informações verdadeiras e exclusivas. E espalha para o público a sua versão dos fatos com o objetivo de ganhar dinheiro. É do jogo. Mas precisa ser explicado ao nosso leitor. Voltando à história. Vamos deixar de lado o economês, expressão que usamos nas redações para descrever o uso de termos técnicos nas matérias que só os especializados entendem. Dentro de uma economia de mercado, como é brasileira, a informação é uma moeda forte para todos os envolvidos. Portanto, o repórter precisa ter bem claro que fornecerá ao consumidor informações que ele usará para montar uma estratégia de enfrentamento aos especuladores. A explicação que a imprensa está dando aos brasileiros é que o reajuste dos preços pelos mercados internacionais, que usam o dólar americano como moeda, é necessário para evitar o desabastecimento interno. Esse procedimento evita que o produtor estoque a mercadoria à espera de uma oportunidade para vendê-la para o exterior.

Essa é a explicação que estamos dando aos nossos leitores. Mas não é bem assim. Nos últimos 50 anos o Brasil se tornou um dos grandes produtores de proteínas vegetal e animal do mundo. Há estudos que mostram que os agricultores e criadores (gado, suínos e aves) produzem cinco vezes mais do que pode ser consumido pelo mercado interno. Isso significa que o produtor e o especulador não têm tanto tempo assim para ficarem com a mercadoria parada, por dois motivos: o primeiro é a concorrência entre os países produtores de alimentos, incluídos os Estados Unidos. E o segundo é que tanto os produtores quanto os especuladores trabalham com dinheiro dos bancos — recursos que têm prazo para serem devolvidos. Há mais um fator. O governo brasileiro está enfrentando um fogo cerrado disparado pelos ambientalistas ao redor do mundo contra os descasos com o meio ambiente, especialmente a Floresta Amazônica. Se o governo não mexer na sua política ambiental, o boicote aos produtores brasileiros ao redor do mundo é uma questão de tempo. Todo mundo sabe disso, principalmente a ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa. Acrescente-se o fato de que o principal comprador dos grãos e carnes do Brasil, a China, vive sendo xingada pelas pessoas que fazem parte do círculo pessoal do presidente Bolsonaro, o Gabinete do Ódio.

A soma de tudo isso mostra ao consumidor que o atual quadro não é definitivo porque existem muitos fatores envolvidos. O grande problema do consumidor, isso nós temos que repetir cansativamente nas nossas matérias, é que ele ganha em reais e paga por produtos que têm os seus preços reajustados pelo mercado internacional, que opera com o dólar. Em 2018, o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, acabou com o sistema pelo qual a empresa subsidiava o óleo diesel para os caminhoneiros. E os preços passaram a ser reajustados pelo mercado internacional. A maneira como a mudança foi feita acabou desencadeando uma greve de caminhoneiros que durou 10 dias, causando um prejuízo de R$ 10 bilhões. Depois da greve, foi montado um sistema de reajuste para o diesel que mantém os caminhoneiros quietos. A explosão dos preços dos alimentos é como se fosse um sismógrafo dando sinal. Nós jornalistas precisamos ter bem claro que os brasileiros ganham em reais e pagam produtos reajustados pelos mercados internacionais. É simples assim.

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é jornalista.