Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Roberta Close, a mulher

(Foto: Amanda Vick/Unsplash)

Neste Dia Internacional da Mulher presto homenagem a esta que foi uma das mais bonitas e importantes mulheres do Brasil, Roberta Close. Fez um tremendo sucesso na década de 1980. Basta uma rápida pesquisa sobre ela para encontrar títulos e manchetes de jornais e revistas dignas de modelos internacionais.

Inteligente e articulada, Roberta Close era disputada com frequência pelos principais programas de entrevistas e de auditório ao vivo, como Jô Soares, Silvio Santos, Hebe Camargo, Fausto Silva e Gugu Liberato. Sua presença era recorrente no Fantástico, na TV Globo. Garantia de sucesso e audiência.

Símbolo sexual dos anos 80, estrela de primeira grandeza que brilhava intensamente tanto quanto, ou mais, que Nádia Lippi, Luma de Oliveira, Isadora Ribeiro, Luciana Vendramini, Cláudia Ohana, Luiza Brunet, Aldine Müller, Bruna Lombardi e Luiza Tomé.

“Eu sou eu na minha casa e a Roberta Close com meu público. Sou de origem italiana. Uma pessoa normal que gosta de ficar em casa com meu marido. Roberta Close é o nome que adotei para o personagem artístico”, revelou em um programa de entrevista para a jornalista Marília Gabriela.

Para os adolescentes de hoje, Roberta Close é uma ilustre desconhecida. Em setembro deste ano fará 60 anos. Carioca, nasceu Luiz Roberto Gambine Moreira no dia 7 de setembro de 1964. Somente mais de uma década após fazer a cirurgia para mudança de sexo, em Londres, em 1989, conseguiu na Justiça o direito de mudar o nome para Roberta Gambine Moreira. Para fazer a operação, se consultou durante dez anos com psiquiatras e psicólogos. Foi uma das brasileiras pioneiras neste procedimento.

Em maio de 1984, aos 19 anos, foi capa da Playboy. Foi a primeira modelo trans a posar nua para a edição nacional da revista masculina. A manchete estampava: “Incrível. As fotos revelam por que Roberta Close confunde tanta gente”. Recorde de vendas. Além da consagração, ser capa da Playboy naquele tempo significava ganhar um dinheiro respeitável. Mais que suficiente para comprar um amplo apartamento em frente à praia nos melhores bairros do Rio de Janeiro. 

Foi capa também, entre outras, das revistas Ele & Ela, Sexy, Amiga, Contigo e Close, de onde saiu seu nome artístico. Fez sucesso, rodou o mundo. Estudou. É poliglota.

Roberta Close foi transexual, expressão que denomina pessoas que não se sentem pertencentes ao gênero atribuído por suas características genitais de nascimento. Foi uma menina delicada e, à medida que o tempo passava, a adolescência e a juventude reafirmaram seu destino. Tornar-se um mulherão.

Algumas pessoas são naturalmente revolucionárias. Vieram para transformar o mundo ou prepará-lo com antecedência para um novo tempo. Era o caso de Roberta Close. Pioneira em campos minados de preconceito, os enfrentou com dignidade. Aos 18 anos já fazia sucesso.

Imagine o que ela passou. Estamos falando de uma mulher trans no Brasil na década de 80, ainda em plena ditadura militar, presidido pelo general João Baptista de Oliveira Figueiredo. Um ser que, ao ser questionado sobre a abertura política na ditadura, respondeu: “É para abrir mesmo. E quem quiser que não abra eu prendo, arrebento. Não tenha dúvidas”.

Durante a ditadura militar no Brasil (1964 a 1985) os presidentes não eram eleitos pelo voto popular. Os generais que assumiam eram nomeados pelo general-presidente de plantão. Um passava a faixa presidencial para o outro. “Prender e arrebentar”, conforme as palavras do general Figueiredo, não eram meras figuras de linguagem.

Se ainda hoje jovens homossexuais são espancados em plena Avenida Paulista por sua orientação sexual, e outros tantos são assassinados cotidianamente pelo mesmo motivo, imagine como era o Brasil 40 anos atrás. Tente imaginar. Retroceda quatro décadas no sentido das trevas do atraso.

Este era o cenário tosco em que Roberta Close se dividia entre desfiles como modelo, sessões de fotografia, entrevistas e programas de auditório. O que todos os entrevistadores, praticamente sem exceção, queriam saber é como ela poderia ser uma mulher tão linda se veio ao mundo com os órgãos sexuais masculinos. A pergunta geralmente era refinada ou completamente ridícula, conforme o entrevistador. Quase sempre em tom jocoso, o questionamento, cedo ou tarde, chegaria lá.

Ao ser questionada pelo entrevistador Jô Soares se já haviam parado de olhar para ela como se fosse uma pessoa diferente, Roberta Close respondeu. “Fico muito admirada que as pessoas ainda possam colocar em primeiro lugar minha sexualidade e ficam usando isso para dar Ibope. Eu me considero um ser humano e meu sexo é uma coisa muito particular minha, a não ser para as pessoas que particularmente conheceram o meu íntimo e que participaram, em alguma vez, da minha alcova ou coisa assim”.

Roberta Close veio ao mundo com refinada Inteligência. Tinha elegância e diplomacia raramente encontradas até mesmo em experientes diplomatas de carreira. Ela se dava ao respeito sem tripudiar, causar escândalo, falar alto ou retrucar no mesmo nível raso do provocador. Era educada no tom e na qualidade das respostas. Deixava claro que ninguém, por mais famoso que fosse em seu programa ao vivo de auditório, tinha o direito de ir tão longe em sua privacidade. Fazia o mesmo com jornalistas com poses de intelectuais moderninhos anos 80. Ninguém conseguiu diminuí-la ou humilhá-la.

O que a faz admirável, ao meu ver, não era apenas seu corpo escultural e perfeito de 1,80m – mesma altura da atriz Nicole Kidman e da übermodel Gisele Bündchen. Tinha personalidade forte. Podemos afirmar que Roberta Close inaugurou as invertidas em entrevistas. Escutava as perguntas com atenção e só se dava por satisfeita ao completar o raciocínio.  

Da mesma forma que Nicole Kidman e Gisele Bündchen, Roberta Close não passava despercebida nem mesmo em países onde não era famosa. Alta, morena, sorriso largo, olhos negros, cabelos lisos e ondulados da cor das asas da graúna, chamava atenção em aeroportos, restaurantes, praias e por onde quer que passasse.

Foi um ícone, uma brasileira revolucionária em todos os sentidos. Sua atitude era politicamente demarcada, mas em momento algum fez pose de panfletária. Nunca tentou ser ou representar nada além do que sempre desejou desde criança. Ser uma mulher feliz.

Como em um conto de fadas, o destino havia lhe reservado se apaixonar um dia, no auge da fama, por um homem suíço. Na década de 1990, em nome desse amor, decidiu deixar a carreira artística, a fama e as festas, nas quais geralmente era a atração principal, para se casar e se mudar com o marido para Zurique, na Suíça. Estão juntos até hoje. E assim, esta senhora praticamente sexagenária nos deixou com nossas idiossincrasias de auditório. Vive discretamente desde então.

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Paulo Renato Coelho Netto é jornalista, pós-graduado em Marketing. É autor do livro “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”.