Toda história é agônica, no sentido de que sempre há uma luta. Uma luta perto de nós, ou dentro de nós. Uma luta entre protagonistas e antagonistas. Agonistés, em grego, é o lutador. O protagonista é o primeiro (protós), o principal lutador, o herói. Antagonista é o que luta contra o herói. Numa luta interior, somos ao mesmo tempo bandidos e mocinhos, exterminadores e redentores do futuro.
No teatro greco-romano, protagonistas e antagonistas se debatiam, tendo os deuses como privilegiados amigos ou inimigos. E nessas lutas, nem tudo era representável. Havia uma ética estética, com um sentido claro a respeito do que era obsceno e, por ser obsceno, não ia à cena.
Os dramaturgos sabiam que era dispensável expor ao público as cenas mais cruéis ou grotescas. Estas cenas eram encenadas ob scaenam, isto é, ficavam fora da cena, fora do palco, longe dos olhos, ficavam lá atrás.
Quando a cena era obscena, os espectadores podiam apenas ouvir o que estava acontecendo, intuir talvez a facada pelas costas, por exemplo. Era uma questão de bom gosto, mas sobretudo um efeito teatral: insinuar provoca nossa imaginação e nossa consciência muito mais do que a apresentação direta, nua e crua, do que é nu, do que é cru.
A cena mais cruel, e a que menos se via com os próprios olhos, era a morte do antagonista. Por mais vilão que fosse, por mais justa que fosse a sua morte, esta cena era um crime, e da visão dolorosa desse crime o público era poupado. Ouviam-se os gemidos, mas não se via o sangue correr solto. E esta cena obscena se tornava inesquecível, e jamais seria banalizada.
Hoje, no teatro da informação descontrolada, estamos expostos às cenas obscenas. Os quase onipresentes meios de comunicação nos fazem ver mais, até demais. O que produz uma estranha indiferença.
Efeito paradoxal. Quanto mais podemos ver, menos nos impressiona ver o que vemos. Aquela expressão indignada ‘onde se já viu?!’ perdeu sua força: já vimos e estamos cansados de ver.
A excessiva exposição de cenas de guerra, ódio, hipocrisia e cinismo nos tornaram espectadores conformados. Não piscamos sequer perante cenas de fome, corrupção etc. Não nos revoltam mais os grotescos ou melífluos discursos dos donos do poder. Nada nos impressiona.
Desligamos a televisão ou o rádio, dobramos o jornal, desconectamos a internet.
E vamos dormir.
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Doutor em Educação pela USP e escritor