Sim. O gato poderia se chamar cavalo e o cavalo se chamar gato. Mas… condição sine qua non para que tal possibilidade se afirme em toda a sua plenitude: todas as crianças deveriam ser educadas e não escolarizadas. É preciso ensinar a Ler e a Escrever (com maiúsculas!).
O que me faz lembrar de uma asserção que li há pouco em um belo livrinho [Machado, A.Mª. Ilhas no Tempo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004], creditada a Darcy Ribeiro – ‘Esquece o Mobral. Adulto no Brasil já está perdido mesmo. O jeito é concentrar os esforços na criançada. Se a gente fizer isso direito, um dia conserta’. É isso mesmo! A linguagem, em toda a sua riqueza e poder sociabilizante, é hoje o principal ativo individual do ser humano. Aquele que domina o registro verbal formal de sua língua é capaz de transitar com certa facilidade pelos vários mundos aos quais estará sujeito durante toda a sua vida.
Essa simples frase, título desta pequena reflexão [entrevista de Rubem Alves à revista IstoÉ, edição nº 344, 20/12/2004], é tão profunda quanto as mais complexas teorias lingüísticas das quais dispomos para explicar/mapear o discurso. Ela encerra, no bojo de sua aparente simplicidade, o sentido da comunicação em sua função primeira: aproximação entre os indivíduos. Nós estabelecemos, no interior de cada língua, um contrato, sem o qual viveríamos numa espécie de Babel eterna.
As escolas preferem passar às crianças toda uma infinidade de ‘caixas’ (formas), negligenciando informações sobre as ‘ferramentas’ (conteúdos) com as quais essas crianças deverão construir sua teia de relacionamentos no mundo. O que acontece é um encarceramento de potencialidades, resultado de uma poda destrutiva.
Nomear o novo
Leitura e escrita (registro do código) andam de mãos dadas. É como o ovo e a galinha… a gente pensa, pensa quem veio primeiro e nunca se convence entre uma e outra, assim como é difícil ranquear a importância do domínio pleno entre ambas. Aquele que tem um histórico razoável de leituras é também aquele sujeito que mencionei no início deste texto, que domina o registro formal da língua. E aquele que sabe se comunicar bem – seja oralmente seja na linguagem escrita – certamente o faz porque tem na leitura exercício constante de fixação de seu idioma.
Esta reflexão algo desiludida, algo desencontrada; lugar-comum até, por amealhar todas as mais que gastas queixas sobre o acesso às riquezas culturais dos povos, especialmente o legado literário, trata de forma avulsa da questão leitura/escrita nesse nosso início de século 21.
Felizmente, algumas ilhas podem ser encontradas em nosso mercado editorial. Tenho notado um movimento de publicações auto-referenciais: livros sobre livros, leituras etc. (esta é uma modéstia contribuição a essa tendência).
Talvez o momento atual nem se configure como um profícuo tempo de discussão sobre o livro e eu é que esteja lendo textos muito parecidos ultimamente. Mas, na condição de amante do assunto, devo registrar que o sentimento que me toma neste fim de ano é de otimismo por todas essas possibilidades de fruição, para ser cara a Roland Barthes. Agora só falta ensinar aos alfabetizandos, e principalmente alfabetizadores!, que ler é deleite; alimento para a alma. Além de abrir as portas para a possibilidade de nomear o novo. Dar existência ao desconhecido.
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Formada em Letras, pós-graduada em Leitura e Produção de Textos, especialista em Sociologia Urbana e bibliófila