É fato inquestionável o progressivo domínio dos meios de comunicação no mundo. A cultura midiática, sobretudo no Ocidente, vem ampliando espaços e, com estes, traz a reboque contingente de público crescente. O fenômeno ao qual numerosos teóricos, desde a corrente frankfurtiana, dedicaram reflexões ainda parece desafiar com a exigência de maiores análises, a despeito das rentáveis pontuações críticas.
Sem ambições ingênuas, respeitando as limitações de um artigo e tentando dar um passo à frente, creio ser possível alinhavar algumas percepções a respeito da questão.
Mídia, vida e existência
De início, cabe tentar responder a uma pergunta: que motivação mais profunda pode atrair, mesmo entre segmentos culturalmente mais sofisticados, o consumo de produtos midiáticos (impressos e audiovisuais)? É sabido, principalmente por tais segmentos, que a superficialidade de enfoques comanda os conteúdos formulados pela mídia. É de sua natureza que assim seja, visto que à mídia compete fazer recortes sobre tudo. Assim também é infantil cobrar-se dela algo a mais. No máximo – e isto é tão legítimo quanto necessário –, deve-se exercer pressão crítica para que a mídia se sinta sob vigilância e, desse modo, procurar melhoria de padrão. Todavia, a superficialidade sempre existirá, em maior ou menor grau.
Começo a suspeitar de que o apelo por produtos midiáticos da parte de segmentos mais letrados talvez tenha sido objeto de análise deformada. Em outros termos, quero dizer que o caminho crítico preferido que majoritariamente tem sido percorrido passa pelos enfoques sociológicos e, quando muito, entremeados por abordagens de perfil psicossocial. É provável, pois, que a sociologia e a psicologia de massa não ofereçam o suporte necessário para a captura elucidativa de sintomas culturais. Em sendo tal observação procedente, fica o desafio quanto a encontrar diferente atalho.
Se o problema não é apenas de ordem social nem emocional, resta concluir que a questão requer compreensão de caráter existencial. Para maior clareza, está-se afirmando que a ‘vida’, configurada como instância do social e do emocional, não se situa na mesma dimensão da ‘existência’. Um problema originado pela ‘vida’ não é obrigatoriamente uma questão para a ‘existência’. Trata-se de grandezas diferentes.
É sabido que o conteúdo midiático se origina da ‘vida’ e para a ‘vida’ se destina. Na mídia não há transbordamento para a ‘existência’. Assim, parece estar surgindo uma promessa de elucidação quanto à questão proposta. Será, então, que a demanda crescente por conteúdos midiáticos decorre de um envolvimento com os fatos da vida, em prejuízo de uma preocupação maior com a ‘existência’? Sim.
Presente contínuo
A aceleração do ritmo da vida, o encurtamento de espaços pela redução de distâncias e a multiplicação de informações têm, paulatinamente, subtraído da percepção dos indivíduos a dimensão existencial. Entretanto, não são apenas os fatores presentes na ordem do cotidiano que propiciaram o afastamento. A eles, outro aspecto se soma e com peso definitivo.
O sentido da ‘existência’ não se esvazia pela sobredeterminação impositiva da ‘vida’, a não ser que o olhar para frente nada mais encontre como horizonte. Este é decisivamente o ponto. Utopia, antes como força propulsora, capaz de mover os seres em direção ao futuro, hoje está preenchida por ofertas e promessas da tecnologia. Que utopia sobreviveu aos escombros da política? Que utopia resistiu ao furor do mercado? Que utopia permaneceu pulsante para a arte inquieta?
O presente é tão demandante que ficou suprimido da paisagem qualquer esboço de futuro. E o que faz a mídia? Ela cobre a intensidade e a densidade do presente. Quando algum sinal de futuridade a mídia tematiza ou é para o futuro quase imediato ou para aquele que nos projeta num devaneio no qual nada está demarcado. A cultura midiática, cúmplice e parceira da vida, ao focar o presente contínuo, retira a gravidade do passado e oblitera o vislumbre de futuro. Subordinada à positividade dos fatos, a mídia promove disjunções subjetivas, enfraquecendo o valor da memória (passado) e reduzindo o vigor do desejo (futuro).
É nessa contabilidade de subtrações que a cultura midiática se afirma como o horizonte. A mídia, de meio, passa a fim. A partir daí, fixa-se o círculo vicioso (e viciado): os seres, impregnados pelas demandas do cotidiano, não olham para o horizonte; olham para a mídia. A mídia, por sua vez, reforçando o apelo ao presente contínuo, abarca o real na sua possibilidade máxima. Deste modo, mídia e público selam, cada vez mais fortemente, os elos entre si.
O público vê a mídia como horizonte e a mídia, como horizonte, se apresenta.
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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)