Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rosa Weber e a justiça social reprodutiva

(Foto: Carlos Moura/SCO/STF)

O último voto da ministra Rosa Weber no STF poderá se tornar histórico. A ação foi proposta em 2017 pelo Psol e vinha se arrastando há seis anos, até a ministra Weber colocá-la na pauta. A ministra fazia questão de marcar sua posição como mulher na Suprema Corte, antes de deixar seu cargo por limite de idade. Se os demais ministros aceitarem dar seu voto pelo sistema eletrônico, a questão da criminalidade ou não do aborto será conhecida, numa previsão otimista, até dia 29, sexta feira.

Entretanto, bastará um dos ministros pedir vista para ocorrer um adiamento. Numa previsão pessimista e mais provável, a decisão do STF sobre uma discutida descriminalização do aborto ficará para as calendas gregas. Isso porque tanto Nunes Marques como André Mendonça certamente pedirão vista e poderão esquecer de apresentar seus arrazoados sem levar em conta os prazos a serem observados.

A época não é das mais propícias à discussão à legalização do aborto nas 12 primeiras semanas ou nos três primeiros meses da fecundação. Em junho do ano passado, a Corte Suprema dos EUA acabou com o direito ao aborto ao deixar com os 50 Estados norte-americanos a decisão sobre a questão. Pelo menos a quase metade dos Estados norte-americanos já voltaram a proibir ou a restringir o aborto, alguns deles mesmo em caso de estupro ou risco de morte da gestante.

Esse retrocesso nos EUA foi possível pela nomeação de três ministros juízes conservadores na Corte Suprema, durante o mandato presidencial do presidente Donald Trump. Como o cargo de juiz da Corte Suprema é vitalício ou até a morte, os EUA têm, desde outubro de 2020, seis juízes ou magistrados conservadores e três liberais. Isso significa que a Justiça norte-americana será conservadora durante os próximos vinte ou trinta anos.

No Brasil, nem todos os políticos, juristas ou jornalistas concordam caber ao STF estatuir sobre o aborto. O crescimento da influência religiosa junto aos eleitores faz os políticos se manifestarem contra o aborto para satisfazer seus eleitores católicos, evangélicos ou espíritas conservadores. Ou então, como foi o caso de Dilma Rousseff, quando candidata, de se declararem favoráveis à competência do Legislativo sobre a questão, deixando aos deputados federais e senadores decidirem sobre a questão, evitando assim confronto e perda de votos.

Existem também comentaristas políticos de influência defendendo atualmente, por crença religiosa, a manutenção da ilegalidade do aborto na lei brasileira, exceto nos casos de estupro, risco de morte para a gestante e anomalia no feto. Por isso, criticam que possa haver uma decisão diferente por parte do Supremo Tribunal Federal.

Porém, a atual safra de parlamentares, empenhada em acabar com o casamento entre homossexuais, aprovado há doze anos, poderia ser mais rigorosa com o aborto, por influência dos evangélicos fundamentalistas aos quais se juntariam os católicos conservadores, ignorando mesmo a gravidez decorrente de estupro. Segundo publicaram os jornais, em setembro de 2020, a atual senadora Damares Alves tentou impedir que uma menina de dez anos, engravidada após estupro, fizesse aborto.

Nesse contexto, foi um marco muito importante em favor das mulheres, o voto da ministra Rosa Weber em favor da descriminalização do aborto e de uma justiça social reprodutiva. A esse respeito, existe um excelente trabalho da professora e doutora em Saúde Pública pela USP Fernanda Lopes, sob o título “Justiça Reprodutiva: um caminho para Justiça Social e Equidade Racial e de Gênero”, publicado no número 40 da Organicom – Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de LisboaCorreio do Brasil e RFI.