Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo diante do fenômeno dos influenciadores digitais

(Foto: Juda por Pixabay)

A quantidade de influenciadores digitais está crescendo nas redes sociais a um ritmo muito maior do que o previsto, gerando um fenômeno que já configura um novo desafio para o jornalismo, bem como para outras áreas do conhecimento humano como política, justiça, economia e educação. 

Aquilo que há pouco mais de cinco anos era um passatempo de jovens buscando visibilidade na internet, tornou-se agora um negócio multibilionário e uma atividade que começa a mudar os fluxos de notícias nas redes sociais, o que inevitavelmente acabará afetando a forma como lidamos com a informação. 

Em 2018, estimava-se que o número de influenciadores digitais era de aproximadamente 100 milhões no mundo inteiro. No ano passado, já se falava na existência de um bilhão e meio de pessoas usando a internet para ganhar fama e principalmente dinheiro fazendo publicidade própria e de empresas.  

O negócio do marketing por influenciadores mais do que triplicou entre 2019 e 2024 saltando, segundo a empresa Statista, de um total de 6,5 bilhões de dólares para esperados 24 bilhões de dólares até dezembro próximo. Trata-se de um fenômeno que tende a mudar não só o varejo mundial, mas principalmente a forma como nos relacionamos com a informação e acessamos notícias. Na Ásia, já existe até um laboratório etnográfico sobre comportamento de influenciadores e a empresa brasileira BuzzMonitor alega ter um milhão de influenciadores cadastrados que ela oferece a outras empresas interessadas no marketing da influência. 

Brasileiros lideram

Só na rede social Instagram existem 64 milhões de influenciadores em todo mundo, segundo dados do site TrendHero. Aqui no Brasil, de acordo com a mesma fonte, há 5,4 milhões de pessoas que procuram influenciar decisões de seguidores na internet. Somos o país com maior número de influenciadores identificados como tal, superando os Estados Unidos (4,7 milhões) e a Índia (2,3 milhões).  São números que impressionam, especialmente porque revelam a existência de uma mão de obra numerosa e barata, formada especialmente por jovens ávidos por notoriedade.

A atividade está sendo impulsionada também pela política, onde os influenciadores têm motivações ideológicas. Uma entrada no YouTube permite identificar campeões de audiência como o influenciador de esquerda Thiago dos Reis, 36 anos, dono do canal Plantão Brasil, no YouTube, com 1,5 milhão de seguidores responsáveis por um bilhão de visualizações desde 2017.   

Ao monetizar o aconselhamento de outras pessoas, os influenciadores tendem a multiplicar exponencialmente a diversificação e o volume de informações numa intensidade muitíssimo maior do que a oferecida pela imprensa atual. Isto sem falar no fato de que as recomendações feitas por eles estão condicionadas por interesses e experiências pessoais, o que inevitavelmente gera uma situação complexa que desafia nossa capacidade de entender a realidade. 

Maioria não quer mais estudar

A multiplicação caótica de influenciadores torna-se cada vez mais visível nas redes sociais virtuais. As personalidades públicas incorporaram maciçamente esta forma de comunicação em sua rotina diária. O fenômeno também chegou às escolas, onde uma pesquisa recente mostrou que 75% dos estudantes brasileiros querem ser influenciadores, 64% deles para ganhar dinheiro e 50% admitem abandonar a escola para se dedicar apenas ao marketing. 

Um exemplo dos novos ricos da internet é o mineiro de Nova Lima, Enaldo Lopes de Oliveira Filho, 26 anos, mais conhecido nas redes como Enaldinho, seguido por 35 milhões de admiradores no YouTube e mais sete milhões no Instagram, em sua maioria crianças e adolescentes. Ele fatura mensalmente, em média, um milhão e meio de reais, obtidos tanto com royalties pagos pelas redes como por contratos de publicidade com 150 empresas. E tudo começou em 2012 com filmetes sobre maluquices com biscoito Oreo. 

O negócio do uso das redes sociais para influenciar pessoas ganhou uma lucratividade fantástica, a ponto de muitas empresas já estarem substituindo a publicidade paga em sites por influenciadores com milhares e até milhões de seguidores. O marketing via empresas de publicidade está perdendo espaço para os influenciadores, muito mais baratos, porque são muitos e usam o boca-a-boca virtual como método de persuasão.

A rede de televisão SBT contratou em julho deste ano 43 influenciadores, batizados eufemisticamente de embaixadores, para fazer propaganda de programas da emissora, em especial do Domingo Legal.  O caso do SBT segue uma tendência mundial de usar a informação veiculada por influenciadores como ferramenta de negócios. 

O que estamos testemunhando é a redução do espaço ocupado pela imprensa nos ecossistemas informativos mundiais e o gradual aumento da participação dos influenciadores no condicionamento da opinião pública. É um processo complexo porque não envolve apenas a substituição de uma mídia por outra. 

O desafio da mudança no jornalismo

Há uma transformação qualitativa muito importante em curso, porque na imprensa convencional o cidadão comum tinha uma participação apenas marginal na arena pública de debates. Hoje, na era digital, o chamado cidadão comunicador (1), do qual o influenciador é uma variante, tornou-se um protagonista cada vez mais presente na recombinação de informações (2). O problema é que esta participação na produção de conhecimentos e de capital social (3) está sendo atropelada, no momento, pela tendência de usar a informação como trampolim para o enriquecimento. 

Isto coloca o jornalismo diante de um novo dilema: enfrentar os influenciadores ou ajudar as pessoas a lidarem com o caos informativo. A imprensa tradicional trata os influenciadores como uma atividade menor, um subproduto indesejável da internet, numa reação à perda de protagonismo na agenda pública de debates. É também uma consequência do agravamento da migração da publicidade para o espaço digital fora do controle dos grandes impérios da comunicação convencional. 

Mas, para os profissionais que se preocupam com a função social das notícias, o crescimento acelerado do número de influenciadores digitais impõe a necessidade de identificar e sugerir soluções para a desorientação causada pela avalanche de informações em redes sociais. O jornalismo passa a ser cada vez mais importante e insubstituível na função de curador de notícias, ou seja, do profissional capaz de servir de referência na escolha da informação mais confiável. 

Isto implica uma considerável mudança em relação aos comportamentos, regras e valores ainda vigentes na profissão. 

Notas  

  1. Mais detalhes sobre o conceito e funções de um ‘cidadão comunicador’ no meu texto “Adeus bom cidadão, bem-vindo cidadão comunicador”.
  2. Recombinação, segundo a teoria do conhecimento, é o processo por meio do qual uma informação nova recebida por uma pessoa é comparada com outras informações, que ela já tem em sua memória, e transformada em conhecimento. Não há conhecimento sem informação e ele é o pré-requisito para qualquer decisão. Mais detalhes em https://nepo.medium.com/qual-a-diferen%C3%A7a-entre-dado-informa%C3%A7%C3%A3o-conhecimento-e-sabedoria-714239252c6d
  3. Capital social, no sentido sociológico da expressão, é o conjunto dos conhecimentos acumulados por um determinado grupo social.  Mais detalhes em https://cafecomsociologia.com/capital-social/ .

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.