O mundo se tornou globalmente perigoso, com a Terceira Guerra Mundial em curso, embora ainda só “aos pedaços”, como diz o Papa Francisco. Mesmo assim, é essencial parar, fazer uma pausa. Por que e para quê? Como disse Juan Ramón Jiménez (1881-1958): “Devagar, não tenhas pressa, porque aonde tens de ir é a ti mesmo”. O que fazemos nas nossas vidas para “não morrer”? Eu responderia: é só não morrer antes de morrer. É só não adiar a vida para amanhã. É só buscar significado todos os dias. É só escolher em quais brigas entrar e pelo que vale lutar. É só procurar motivos pelos quais a vida continua valer a pena. É só ficar no meio de pessoas que nos fazem bem. É só ter amigos. É só ter amores. É conseguir “só” tudo isso. Desperdiçamos nosso tempo quando agimos como imortais – e, assim, acabamos estreitando a vida. É esse o grande paradoxo: sabemos que teremos um fim, mas vivemos como se fosse para sempre, como se o tempo fosse uma fonte inesgotável. É a fórmula automática que encontramos para nos defender da ideia, que humanamente parece terrível, de que somos mortais.
O segredo da longevidade é saber viver bem, para não morrermos antes do nosso fim. No contexto atual, a questão do sentido da vida adquire uma relevância particular, especialmente considerando os avanços científicos e tecnológicos que aprofundaram ainda mais os dilemas existenciais. O sucesso da inteligência artificial (IA) vai além de sua capacidade tecnológica: ele depende da colaboração entre máquina e humano. A IA funciona melhor como uma extensão do pensamento humano, potencializando esforços, mas sem substituí-los. E é justamente nesse ponto que surge a oportunidade de romper preconceitos. Apesar do receio de que a IA “roube” a criatividade humana, o que se observa na prática é o contrário: ela simplifica tarefas rotineiras, permitindo que as pessoas concentrem energia no que realmente importa.
A democratização da IA é um passo fundamental para o futuro. Não basta que a tecnologia esteja disponível, é preciso torná-la acessível e compreensível para todos os colaboradores. Uma tarefa que vai além do treinamento contínuo e exige uma mudança cultural que encoraje a inovação em todos os níveis. Desde que dominamos o fogo e inventamos a roda e o arado, a tecnologia nos permite alcançar coisas novas ou fazer atividades antigas de forma melhor, mais rápida, com mais eficiência. Mas também é verdade que, desde o começo dos tempos, o acesso à tecnologia é desigual na sociedade. Não há ciência que não esteja legitimada por uma técnica, não há técnica que não esteja legitimada por uma ciência; há uma imbricação ontológica entre técnica e ciência.
O algoritmo veio inaugurar uma nova era civilizatória ao nos oferecer uma outra “roda”: a inteligência artificial que, diga-se de passagem, nem é propriamente inteligência nem artificial, pois é toda programada por seres humanos, embora tenha desempenho automático. Mas, sem ela, não poderíamos pesquisar os buracos negros nos longínquos espaços siderais e penetrar os diminutos recônditos da matéria graças à nanotecnologia. A inteligência artificial é programada pela inteligência humana, supera-a em agilidade, porém não em criatividade. Pode fazer complexos cálculos matemáticos em milésimos de segundos, mas é incapaz de produzir um romance à altura de Dom Quixote (1605), de Cervantes (1547-1616) ou Grande sertão, veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967).
À medida que a internet, os dispositivos e a Internet das Coisas (IoT) evoluíram, o que antes existia apenas no mundo físico passou a construir sua presença no ambiente digital, incluindo lojas, cursos, restaurantes e uma variedade de outros setores. O mundo virtual surgiu para apoiar e melhorar a nossa capacidade de viver no mundo real. Tornou o conhecimento acessível, distribuiu experiências e nos fez enxergar um mundo que não conhecíamos. Certamente, como instrumento de comunicação, as redes sociais representam um enorme avanço. Depois da intensa experiência de isolamento que a humanidade foi obrigada a vivenciar com a pandemia de Covid-19, o modelo digital foi recomendado como medida de socialização segura. Com “o novo normal”, as experiências físicas e presenciais se afirmaram mais ainda como principal norte de realização e convivência.
Por mais inovador que tenha sido o surgimento da informática, os modos de ser do mesmo objeto, o “virtual” e o “real”, já eram tratados pela distinção aristotélica entre potência e ato, muita vez repisada ao longo da história da filosofia. As abundantes conexões virtuais e o escasso contato real imprimem uma rotina de afetos distanciada da poética encarnada entre constituições subjetivas, múltiplas e desdobráveis. Maristela Rocha ressalta “a importância do corpo como uma primeira mídia, como forma de interação social” (Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações – MG, v. 10, n. 2, ago./dez. 2012).
A propósito, O telefone tocou novamente (1970), música de Jorge Ben Jor, está entre as grandes canções que destacaram a formidável razão dos corpos e a tecnologia no meio do caminho: “O telefone tocou novamente/Fui atender e não era o meu amor/Será que ela ainda está muito zangada comigo?/Que pena, que pena/Que pena, que pena/Pois só ela me entende e me acode/Na queda ou na ascensão/Ela é a paz da minha guerra/Ela é meu estado de espírito/Ela é a minha proteção/Que pena, que pena/Que pena, que pena/Com ela eu sou mais eu/Com ela eu sou um anjo/Com ela eu sou criança/Eu sou a paz, o amor/E a esperança”.
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é Doutor e Mestre em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE/UFMG). Poeta, escritor, professor e pesquisador. Jornalista e autor do livro Machado de Assis, crítico da imprensa (Outubro Edições, 2023). Participante do Coletivo AVÁ, coorganizador do Sarau Marcante e Membro da Academia Cruzeirense de Letras – ACL (Cruzeiro-DF).