Wednesday, 11 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Com reportagens preguiçosas, Fantástico cheira a mofo

(Imagem: Matt C/Unsplash)

O negócio deveria funcionar assim: depois de suportar longas horas de histórias de gente que quer dar a volta por cima, dançarinas seminuas, bailarinos sarados, músicas da moda e celebridades autocentradas no entediante Domingão com Huck, o telespectador seria contemplado com reportagens exclusivas e pautas interessantes que não são cobertas pelos telejornais diários. Essa é — ou ao menos foi um dia — a proposta do Fantástico, programa que vai ao ar aos domingos, às 20h30, na TV Globo.

Mas o que acontece nos últimos anos, e vem piorando a cada semana que vai ao ar, é o jeito fantástico de apresentar ao leitor reportagens requentadas, sem nenhuma novidade numa época em que a cada segundo grande parte das informações é contada no jornalismo online, nas redes sociais, nas dezenas de telejornais da manhã, tarde, noite; dos canais abertos e fechados. Para o telespectador mais atento, perceber que o dominical anda mal das pernas não é nada dificultoso.

Isso ficou claro na edição do dia 2 de junho. No primeiro caso discutiu-se sobre Djidja Cardoso, empresária e ex-sinhazinha do Boi Garantido que foi encontrada morta na terça-feira (28) em sua casa, em Manaus. A principal suspeita é que ela sofreu uma overdose de cetamina. Djidja, seu irmão e sua mãe já estavam sob investigação havia mais de um mês por suposto envolvimento em um grupo religioso que forçava o uso da droga para alcançar uma falsa plenitude espiritual.

No segundo, a revista eletrônica exibiu a investigação policial do caso Luiz Marcelo Antonio Ormond, que foi encontrado morto, em estado de decomposição, após ter comido um brigadeirão envenenado. A polícia diz que o doce foi feito pela então namorada Júlia Andrade Cathermol Pimenta.

Ambas as notícias chamaram atenção do público durante a semana, que esperava, até com uma certa ansiedade, uma cobertura primorosa, sobretudo pela complexidade dos casos. Mas nada do que foi dito e mostrado por lá valeu a pena, afinal, tudo o que foi dito e mostrado já havia sido dito e mostrado na concorrente, no impresso estampado nas bancas ou em longos fios de tuítes.

Espera-se que, durante a semana de intervalo entre um programa e outro, a equipe da revista eletrônica se desdobre em uma apuração que faça jus ao nome do dominical. Em vez disso, recheado de pautas banais e quadros que dão sono, a impressão que passa ali é que no tempo que sobra dá para fazer jornalismo.

Se antes o Fantástico era tão esperado pelos leitores/espectadores em frente à TV, deslumbrados com seu estilo inovador de narrativa visual, aguçados pela curiosidade de detalhes nunca lidos antes, depoimentos nunca ouvidos anteriormente e acessos a documentos, imagens e gravações sequer apresentados por outros veículos de imprensa, agora o telespectador precisa se contentar com o raso, num show da vida sem novidade e sem investigação.

Para tentar salvar aquilo lá, volta e meia a Globo anuncia que vai reformar o programa. “De novo?”, se pergunta o incrédulo telespectador. Sim, trocam apresentadores, exibem lindas imagens do canal americano BBC, empurram repórteres em geleiras derretidas, reforçam a cobertura de celebridades e enxertam quadros a torto e a direito. O problema é que nada disso parece funcionar.

O que causa mais espanto, para além de pautas vazias, é o nome da atração que promete mais do que qualquer programa de TV, hoje em dia, pode cumprir. O que, por Deus, nesse mar de informações e imagens, pode mesmo ser classificado como fantástico? Pouca coisa – e, provavelmente, você já viu antes na internet.

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Murilo Melo é jornalista e letrólogo. Escreve sobre televisão desde 2011 com abordagem de temas relacionados à tríade identidade-cultura-comportamento.