A revolução digital já causou sérios danos à indústria da música bem como ao jornalismo impresso. Já a televisão, contra todos os prognósticos, dá sinais de que tem mais condições de se reinventar nesta nova era.
Mais que isso, na visão de alguns estudiosos, a velha televisão, ainda que passando por mudanças profundas, teria se transformado em modelo para alguns dos principais ícones da revolução digital, como YouTube, Facebook e Netflix.
Talvez o primeiro a tentar desmontar de forma mais detalhada a tese da morte anunciada da televisão tenha sido o pesquisador David Brennan, no livro “TV’s Not Dead” (New Generation Publishing, US$ 5,12 em versão eletrônica), lançado em 2013.
Com base principalmente no mercado britânico, o que limita o alcance da análise, ele procurou demonstrar que as novas tecnologias não estão sendo capazes de afetar a primazia da televisão por conta de hábitos arraigados e ligações emocionais do espectador.
Mas é no recém-lançado “Television Is the New Television” (Portfolio, US$ 13,99), de Michael Wolff, que a “velha mídia” encontrou um defensor de peso, com bons argumentos e, sobretudo, uma retórica agressiva.
Jornalista especializado em mídia, Wolff é autor de uma biografia de Rupert Murdoch (“O Dono da Mídia”) e escreve em jornais e revistas americanos. Seu livro parte de um mesmo ponto que o de Brennan –o de que a opinião pública foi convencida sobre a inevitável emergência de um novo mundo da mídia.
Irônico, o autor constata que, mesmo sem dados ou provas, mas munidos de uma “convicção revolucionária”, os apóstolos da revolução digital conseguiram impor a sua percepção sobre o assunto. Cabe a Wolff tentar demonstrar o contrário –”o inesperado triunfo da velha mídia na era digital”.
Ele primeiro descreve como as grandes empresas que se dizem de tecnologia (Facebook e Google), bem como as de jornalismo (“New York Times” e BuzzFeed), contribuíram, cada uma à sua maneira, para a drástica queda do valor da publicidade na internet.
Estabelecida sob as bases de audiência (cliques), acesso gratuito e a promessa de publicidade direcionada ao público-alvo, o modelo dificulta a produção de conteúdo de qualidade, seja jornalístico, seja de entretenimento.
A TV, em que pesem os vários problemas que enfrenta, encontrou justamente na valorização do seu conteúdo a chave para se reinventar. Canais de nicho, como a HBO, ajudaram a elevar a televisão a um novo padrão de qualidade com base em modelo de cobrança por assinatura e zero publicidade.
A Netflix, defende Wolff, não está levando o mundo digital para a TV. Ao contrário. “A Netflix está levando para o mundo digital a programação, os valores e os hábitos da televisão”, escreve.
Wolff reconhece que a TV à la carte, ou seja, a possibilidade de pagar para ver apenas o que o espectador deseja, representa de fato um risco aos operadores de TV paga, que vendem pacotes caros e pouco aproveitados. Na sua visão, porém, as empresas vão se adaptar e oferecer pacotes mais customizados, e baratos, de acordo com o interesse do público.
Wolff acredita que a indústria digital vai se limitar à função de distribuição de conteúdo e encontrará justamente na televisão os produtos de maior qualidade para oferecer a seus clientes.
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Mauricio Stycer é jornalista especializado em televisão