O fim do jornalismo, não só da humanidade, parece próximo. A discussão é supérflua, basta a constatação e tirar conclusões dela. Veículos impressos estão em decadência acelerada: caem número de leitores, tiragens, publicidades, faturamento, número de funcionários. Jovens não compram e praticamente não leem jornais e revistas. Ok, falo de impressos, mas todos os veículos e outros novos “migraram” para novas plataformas, o que significa que continuam sendo feitos para computadores, noutibuques, celulares, tabletes etc. A questão é saber se os conteúdos produzidos para estes equipamentos são o que chamamos de jornalismo.
Que são comunicação, não há dúvida, mas serão jornalismo? Quando vejo jornalistas, na velha acepção da palavra, são todos velhos. Jovens jornalistas, no meio de velhos, parecem uma aberração, parecem deslocados, como aqueles meninos que em vez de brincar preferem a companhia dos mais velhos. É mais fácil encontrar jovens “jornalistas”, isto é, formados em curso de comunicação habilitação jornalismo, que se dedicam a redes sociais, a produzir conteúdos multimídia, mas quando olhamos o que fazem aquilo não se parece com jornalismo, com o jornalismo convencional, textos publicados em jornais e revistas.
Ao mesmo tempo, o jornalismo em extinção, isto é, o impresso, vem procurando há décadas se adaptar aos novos tempos de imagem e o resultado disso é que também os textos impressos se tornaram cada vez mais curtos e acompanhados de imagens. Podemos então dizer sem medo de errar que vivemos uma época de comunicação pela imagem (e pelo som). Parodiando aquele jogo (também imagético), podemos perguntar: onde está o jornalismo?
Podemos chamar de jornalismo essa comunicação que o substitui, usando novas tecnologias e cada vez mais com imagens? Ela nem sempre é feita por jornalistas, mas os jornalistas formados em curso superior de jornalismo ainda têm participação importante. No entanto, o fim da exigência do diploma e as novas tecnologias que possibilitam a qualquer um produzir e publicar conteúdos criaram um ambiente de produção de “jornalismo” bem diferente daquele em que jornais e revistas imperavam.
Quem vai imperar no novo modelo
O jornalismo como narrativa está ligado ao objeto que lhe deu nome: jornal. Aquilo que se fazia em jornal e que não nasceu pronto, mas foi construído ao longo dos séculos, notícias e reportagens escritas, publicadas para informação do leitor do dia seguinte ou até na mesma tarde ou noite, aquilo está acabando (e, como empreendimento comercial, veiculação de propagandas). Em função das suas características, ele criou seus modelos de informação e de narrativa, que não existiam antes. Na sua corrente principal, tornou-se um empreendimento empresarial como outro qualquer, mas também diferente de outro qualquer, mais poderoso, capaz de manipular a opinião pública, de criar ou destruir líderes políticos e outras reputações, no seu lado perverso, e também de informar, de popularizar a cultura, de servir de lazer inteligente e de vigiar o poder (razão pela qual ganhou o epíteto de “quarto poder”), no seu lado admirável.
É à decadência desse modelo que estamos assistindo. Assim como ele foi precedido pela tecnologia que a amparou, a imprensa, o novo modelo também é amparado pelas novas tecnologias do computador e da internet reunidas. Do novo modelo de comunicação nasce uma nova linguagem, primeiro misturada com a anterior, o jornalismo, e ainda chamada assim – mas será mesmo jornalismo? Afirmar que o jornalismo não morre, mas se transforma, não será apenas uma bobagem de quem se apega ao antigo, à segurança do que já conhece e não compreende que é a base material que cria o produto cultural? Por que continuaríamos fazendo jornalismo, se os jornais desaparecem? Por que chamar de jornalismo essa nova comunicação audiovisual instantânea e interativa que nada ou muito pouco tem a ver com a produção de textos para serem publicados em papel?
Jornais e revistas continuarão sendo feitos como são feitos os livros, impressos em papel, embora livros também já sejam feitos em novas plataformas de computador e internet. Livros, jornais e revistas impressos, talvez integrem em breve um mesmo segmento, produzido pelo mesmo tipo de empresa, para um público específico, sem a pretensão de serem o que já foram, de influenciarem como já influenciaram, de imperarem como já imperaram. Da mesma forma, a televisão, que durante algumas décadas foi a grande estrela da comunicação, também foi atingida pela internet e se transformará, já se transforma: diante da interatividade, também a TV parece agora um dinossauro; seu reinado durou bem menos do que o do jornal.
A nova comunicação é uma nova comunicação, nem televisão, nem jornal, revista ou livro têm a ver com ela, a não ser pelo fato de que estarão sempre em contato. No entanto, podemos ver que brevemente, e já hoje, quem mandará na comunicação é a internet e os equipamentos móveis de comunicação. Para ela serão produzidos conteúdos, cujas características são o acesso em qualquer local, a rapidez, a concisão, a imagem, o som e a interatividade. Isso nada tem a ver com jornalismo, mas tem a ver com comunicação, e o jornalismo é uma forma de comunicação – como o livro, antes. A questão é saber quem vai imperar no novo modelo.
É a partir do entendimento da realidade que podemos mudá-la
Que todos e qualquer um produzem e distribuem conteúdos na internet, está claro, é a característica essencial e revolucionária do modelo. No entanto, todos continuam se referenciando em conteúdos produzidos por outros também: o consumo e a distribuição são mais universais do que a produção. Mas o que é que o público universal da internet consome? O que distribui? Que tipo de informações lhe interessa? Quem os produz? As questões estão em aberto. Jornalistas se dispõem a disputar esse público? Faz sentido falar em jornalista como profissão nessa comunicação? Onde eles serão formados, por quem e em quê?
Escrever continua sendo importante e muitos jornalistas – aqueles formados e experimentados no velho jornalismo impresso – mudaram de atividade. Ou porque o jornalismo não os empregava mais ou porque pagava pouco ou por outras vantagens e circunstâncias, muitos jornalistas se dedicam hoje a atividades afins ao jornalismo, algumas mais estáveis, outras menos. Ser professor de curso de jornalismo, por exemplo, já teve melhores dias. As assessorias continuam sendo o melhor emprego, mas também estas mudaram muito nas últimas décadas, com o surgimento das terceirizações, que precarizam as relações de trabalho, e das novas tecnologias, que tiraram o jornalista assessor da posição confortável da escrita e o levaram para o trabalho multimídia.
Em vez de grandes empresas, como no passado, os mais numerosos e melhores empregos para assessores hoje estão nos serviços públicos, incluindo aí os partidos e os políticos. Podemos acrescentar que o aumento do número de canais de televisão, inclusive televisões públicas, ampliou consideravelmente o número de empregos para formados em jornalismo, com a vantagem de serem (ou deverem ser, por lei) contratados por meio de concursos, com estabilidade, além de outros benefícios que serviços públicos no Brasil proporcionam.
Afirmar a decadência do jornalismo, e consequentemente dos sindicatos dos jornalistas, não é ser pessimista, ao contrário, é ser otimista, porque é a partir do entendimento da realidade que podemos mudá-la. Ainda que os sindicatos pretendam continuar sendo apenas sindicatos dos jornalistas de veículos impressos, eles terão de se adequar. Os velhos jornalistas estão se aposentando, os novos jornalistas raramente são sindicalizados. É certo que um sindicato só de jornalistas de impressos será um sindicato pequeno, ainda que somemos a eles os jornalistas de rádio e televisão – talvez estes se tornem maioria.
As novas ondas sensacionalista e oposicionista
Os sindicatos dos jornalistas serão sindicatos de jornalistas de jornais, revistas, televisões e rádios? Quantos jornais restarão dentro de cinco anos? Quantos jornalistas estarão empregados em televisões e rádios? Quantos veículos são empresariais? Quantos serão públicos? A representação dos jornalistas de veículos públicos é a mesma dos jornalistas de veículos comerciais? Como lidar com o patrão Estado? Presidentes de sindicato agora vêm do setor público, mas é são os sindicatos que representam os jornalistas desses órgãos públicos? No Senado, na Câmara, nas Assembleias e nas Câmaras de Vereadores, assim como nos governos federal, estaduais e municipais, há jornalistas de diversos tipos: concursados, empregados, terceirizados. Como representar essa diversidade?
E principalmente há dois tipos de profissionais: aqueles que se dedicam ao que se chama ainda hoje de jornalismo (o jornalismo impresso em veículos comerciais, a produção de textos, notícias, reportagens) e os profissionais que se dedicam à nova comunicação, na internet, audiovisual, sintética, veloz. O velho jornalista cada vez mais se converte no novo, pois não consegue, mesmo que queira, se eximir de praticar a nova comunicação. Ao mesmo tempo, muitos clientes, chefes e patrões exigem ainda que se escrevam grandes textos, trabalho para o qual só o jornalismo capacitou. O novo jornalista, em grande parte, acha isso uma bobagem, não pratica nem se importa em desenvolver esta capacidade; orgulha-se do seu domínio sempre atualizado sobre as novas tecnologias, das possibilidades e grandes feitos destas.
São cada vez mais dois tipos de profissionais diferentes e igualmente distantes do que foi um dia o jornalista. No novo universo da comunicação, a notícia e a reportagem como foram concebidas, construídas e praticadas no jornalismo, são cada vez mais fantasmas do que já foram. Até mesmo as novas ondas sensacionalista e oposicionista que atingiram o jornalismo brasileiro, em especial nos últimos 13 anos, contribuem para isso.
Democratização das informações é possível
O que é hoje o jornalismo? Temos muita comunicação, temos muitas informações circulando, temos acesso a elas a todo momento e em qualquer parte; temos também muitos profissionais dedicados a produzi-las, seja para o público em geral, seja para instituições e agentes públicos, seja para empresas privadas. No entanto, temos cada vez menos jornalistas e jornalismo.
Nessa barafunda, tenho algumas convicções e muitas dúvidas. Que essa nova comunicação, feita na internet e com a informática, com as características citadas, predominará e será o novo modelo, como já foram um dia o jornalismo impresso e a televisão, isto me parece certo. A comunicação será assim, instantânea, interativa, superficial, audiovisual, sintética. Alguma coisa parecida com o jornalismo, isto é, que produza notícias e reportagens, conteúdos também audiovisuais, porém com aqueles velhos pretensos objetivos do jornalismo – informar e formar o leitor, vigiar o poder – continuará também sendo feito. A questão é saber por quem.
Onde serão formados esses “novos jornalistas”? Onde trabalharão? Restarão grandes empresas comerciais destinadas ao jornalismo? (Entre as notícias de fechamentos e redução de quadros de empresas jornalísticas dos últimos anos a que mais me impressionou foi o Terra, criado justamente para o novo cenário.) Que papel terão os veículos públicos? O que acontecerá com essa miríade de novos veículos na internet (blogs, saites, páginas no Facebook etc.) produzidos por um ou poucos jornalistas, às vezes por gente que nem é jornalista, mas muitas vezes desenvolve trabalho profissional? Quando os jornalistas assumirão o protagonismo, criando novos veículos sem patrão? Ou será que isso nunca acontecerá? A que ponto chegará a concentração de informações no FB? Esta empresa ser tornará uma nova multinacional da comunicação, concentrada e gigantesca ao extremo, única?
Tudo está por ser feito e ao mesmo tempo tudo está sendo feito. Talvez o novo modelo nunca chegue a um formato definitivo. Do ponto de vista geral, no entanto, a principal questão para a sociedade continua sendo a mesma do velho jornalismo: a informação de qualidade, o acesso à informação, o interesse coletivo prevalecendo sobre o interesse particular, a comunicação como serviço público. O ambiente da internet e das novas tecnologias possibilita uma democratização das informações como jamais existiu antes. Falta, porém, se definirem os protagonistas desse novo modelo. Os jornalistas, por enquanto, não parecem estar entre eles.
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Carlos Cândido é jornalista e assessor de comunicação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais