Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que é ser jornalista, hoje?

(Foto: The Climate Reality Project/Unsplash)

Já não é mais o repórter com bloco de notas e caneta na mão, a imagem clássica. Não é ele o único que faz a notícia. É o fotografo que documenta flashes de uma realidade. É o cinegrafista que registra uma cena. O programador que monta um infográfico animado. Quem cria um projeto de realidade virtual para tornar visível algo que o repórter não viu, o fotógrafo e o cinegrafista não conseguiram documentar, e finalmente o designer que vai arrumar tudo isto numa página web criando alternativas de visualização personalizadas.

Não estamos mais diante de um único responsável pela produção de uma notícia, reportagem ou entrevista, mas de uma equipe de jornalistas especializados, o que altera consideravelmente o conjunto de rotinas, regras e valores no exercício da atividade. Mas o jornalismo ainda vive a cultura centralizadora do repórter ao qual são atribuídas as virtudes, responsabilidades e revezes da profissão. O repórter é, geralmente, quem sinaliza o que pode vir a ser um conteúdo de interesse e utilidade para o público, mas ele não determina mais como e quando este conteúdo será distribuído.

O jornalismo da era digital é praticado hoje por grupos de pessoas, atores na linguagem acadêmica, o que implica pesquisar tanto cada um dos indivíduos da equipe como o seu conjunto, já que existem diferenças de comportamentos. O caráter coletivo da produção jornalística contemporânea faz com que os demais atores não possam mais ser considerados periféricos ou menos importantes na escala de valores da profissão.

Experiência x inovação

O jornalismo é uma profissão onde os anos de experiência são considerados um valor importante na cultura profissional. Acontece que os profissionais mais respeitados por sua experiência têm uma forte herança analógica, logo tendem a colocar a centralidade do repórter como o fator determinante no que deve ou não ser levado em conta numa notícia ou reportagem. Nada contra a experiência, ainda mais porque eu sou um integrante desta geração de profissionais formados na era analógica. Mas a realidade mudou e hoje os critérios para indicar a noticiabilidade de um dado, fato ou evento não passam mais apenas pelo crivo do repórter.

Não temos ainda uma narrativa jornalística multimídia. Quando os mais velhos querem saber o que está acontecendo, eles inevitavelmente acabam em alguma página de jornal, revista ou sites noticiosos como Huffington Post, Google News ou projetos como Meio e Poder360. É a herança analógica, onde a confiabilidade de uma notícia está fortemente vinculada ao seu formato textual. Já os mais jovens recorrem geralmente às redes sociais, onde a regra é a transmissão de informações no formato coloquial, onde os sons e gestos são parcialmente expressos em emoticons ou gifs animados.

Enquanto os comportamentos, normas e valores herdados da era analógica impõem uma formatação rígida dos conteúdos estabelecida nos manuais de redação, a transmissão de informações via redes sociais é vulnerável a distorções, desinformação e fake news porque as pessoas estão mais preocupadas em se comunicar do que com o conteúdo. Há uma inversão total de valores, o jornalismo clássico se preocupa com o conteúdo e descuida da comunicação, enquanto as redes sociais fazem o inverso. O que se perde no meio deste paradoxo é o jornalismo. Daí a importância de rever o que definimos como jornalismo. Precisamos buscar um novo formato narrativo coerente com os novos formatos de comunicação criados pela internet.

A Teoria da Prática

A constatação da mudança na concepção geral da atividade jornalística na era digital tem como corolário a necessidade de revisar as rotinas e normas vigentes para incorporar o conjunto de atores na escala de valores da atividade. Até agora o julgamento da noticiabilidade de um dado, fato ou evento era determinado por um conjunto de princípios pré-estabelecidos entre os quais predominavam a preocupação com o fortalecimento da democracia e a capacidade de gerar receitas financeiras através da ampliação de audiência.

A nova realidade impõe uma mudança de foco sem, necessariamente, implicar o abandono dos princípios mencionados acima. Os pesquisadores do jornalismo mencionam com frequência cada vez maior a necessidade de aplicar a chamada Teoria da Prática na busca de novas referências teóricas e práticas para o jornalismo. A Teoria da Prática, na verdade um conjunto de teorias desenvolvidas por disciplinas como etnografia, sociologia, antropologia e ciências da cognição, entre outras, afirma que para estudar uma área inexplorada do conhecimento é necessário abordá-la sem idéias pré-estabelecidas e buscar no estudo da realidade os elementos para criar novas hipóteses de pesquisa.

No caso do jornalismo, a pesquisadora finlandesa Laura Ahva afirma que quando um profissional se defronta com um dado, fato ou evento capaz de ser transformado em notícia, ele deve ser observado a partir de três elementos: que tipo de ação está envolvida no fato, dado ou evento; quais os fatores materiais e imateriais relacionados ao tema em questão; e finalmente, qual o discurso usado por quem está envolvido na descrição do problema.

Todos os três elementos têm igual peso, estão interconectados e precisam ser definidos com o máximo de objetividade e fidelidade para que o resultado final forneça um reflexo, o mais realista possível, da questão observada. Hoje um repórter vai ao campo já com uma série de rotinas, normas e valores pré-estabelecidos que acabam distorcendo sua percepção da realidade, o que pode ser especialmente problemático em situações inéditas onde quase tudo é desconhecido, como por exemplo numa reportagem no interior da Amazônia.

Quem estiver interessado em mais detalhes pode obtê-los em:

Practice Theory for Journalism Studies, por Laura Ahva, Journalism Studies, 2016

Journalism as Practice, por Tamara Witschge e Frank Harbers, capitulo 6 do livro Handbooks of communication Science, 2018

Theorising Media as Practice, Nick Couldry, Social Semiotics Journal, 2004.

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Carlos Castilho é jornalista, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.