Visitando às raízes etimológicas da palavra “economia”, sabe-se que o referido termo, de origem grega, vem composto pela junção de duas acepções: oikos (casa, lar, domicílio, meio ambiente) + nomos (gerir, administrar). Logo, temos economia como “administração da casa”. A partir dos idos dos séculos 17 e 18, acrescentou-se o termo “política” à economia. Isso aconteceu em decorrência da valorização econômica, sendo esta ampliada para acolher o princípio da governabilidade no regimento administrativo da sociedade como um todo. Assim, as relações econômicas ganharam valor agregado, ao contemplar, de forma relacional, as famílias (pessoas), as empresas e o Estado (governo).
Por economia política, compreende-se a ciência que engloba as relações sociais pertinentes à produção, à circulação e ao consumo de mercadorias. Tendo como foco o sustento da coletividade, mercadorias são produzidas, vendidas, distribuídas e consumidas. Considerando esse foco de atuação, a economia também é uma ciência social, pois seus princípios ajudam a alicerçar a vida do homem em sociedade. Contudo, as práticas econômicas predominantes no sistema capitalista se alimentam basicamente do ímpeto acumulador que espelha as ambições inflacionárias do indivíduo.
Poder, privilégio e prestígio acabam, desse modo, entrelaçados. O poeta José Paulo Paes, em Seu metaléxico (1973), chama esse processo de “economiopia”. Isto é, um regime de gerenciamento monetário que possui uma visão turva, por não acolher toda a comunidade em seus anseios materiais e existenciais. O historiador Joel Rufino dos Santos, em Épuras do social (2004), constata que o poder de repartir “não é um fato econômico”, caracterizando-se muito mais como “a possibilidade dada a um ‘ator’, dentro de uma configuração social determinada, de dirigi-la segundo suas escolhas”. A realidade maravilhosa da autonomia esbarra na opressão presente na linguagem do capital: “É-se solidário pela mais egoísta das razões. Por um cuidado elementar pela salubridade do meio. Porque uma civilização que sacrifica o homem pelo lucro não é exatamente o ambiente em que queremos viver”, adverte o escritor Luis Fernando Veríssimo, na apresentação do livro 7 pecados do capital (2000).
À medida que a economia da acumulação vem prevalecendo frente à economia do compartilhamento, perdem-se de vista as origens do pensamento econômico enquanto a arte administrativa que trata da produção, da distribuição e do consumo de bens, visando alimentar um sistema produtivo a serviço da casa da humanidade onde vivemos. O desafio, portanto, é motivar as ações econômicas da contemporaneidade para ações mais abertas em matéria de justa distribuição de renda e de aplicação destes recursos como investimento social. No imaginário poluído reinante, gastar dinheiro é muito mais lido como custo, atendendo, assim, uma dimensão depreciativa que toma conta perigosamente das especulações mercadológicas mais obtusas. Esforços de despoluição da cobiça imoderada vem acontecendo historicamente e agem “nas brechas” do sistema gerencial dos dias de hoje. A respeito, o jornalista Ari Cunha, no artigo “Vem aí um novo mundo” (Correio Braziliense, 08/05/2015), destaca a existência de uma conjuntura alternativa à sovinice de plantão:
“Sinais desse renascimento, implantados lá atrás, nos anos 1960, pela filosofia das comunidades hippies, começam a dar frutos ainda tímidos. Organizações não governamentais lutam pelo fim da poluição, pela difusão dos lemas reciclar, reutilizar, reduzir e repensar, pela crescente tomada de consciência sobre o destino comum e, sobretudo, pela utilização das redes de informações que, aos poucos, esclarecem as populações para a necessidade vital de respeito ao meio ambiente como única forma de sobrevivência e perpetuação da espécie. Uma dessas ações, que vem ganhando grande impulso global, é justamente a chamada economia do compartilhamento, no qual a acumulação pessoal e egoísta de bens é substituída pelo compartilhar, emprestar ou simplesmente ceder o bem a outrem. É a volta do escambo, feito agora também com a ajuda da tecnologia, nos moldes do século 21.”
Os princípios concretos da democracia
Segundo Cunha, a economia compartilhada do tipo colaborativa tem como paradigma principal “a matemática da felicidade”. Não é a soma nem a multiplicação sua operação fundamental, mas a divisão propriamente dita. Convém, para fins de uma percepção histórica mais alargada, notar uma série de empenhos sociais em matéria de oposição ao “economicídio” acumulativo e egocêntrico, com viés concentrador de riquezas. Os persas, que seguiam a doutrina de Zaratustra (628-551 a.C.), ensinavam: “Aquele que é indiferente ao bem-estar dos outros não merece ser chamado homem.” Durante a Idade Média, as taxas de juros eram tão elevadas que fizeram com que o teólogo e filósofo Tomás de Aquino (1225-1274) afirmasse “pecunia pecuniam patere non potest”, ou seja, dinheiro não pode parir dinheiro. Todas as forças da consciência se levantaram contra a agiotagem. Eis o mantra do agiota, travestido de economista exemplar: conhece bem os verbos somar e multiplicar, odeia o subtrair e sente-se roubado com o dividir.
O dito de Epicuro (341-270 a.C.) ainda paira no ar: “Nada é bastante para quem considere pouco o que é suficiente.” Faz-se urgente, portanto, religar a economia aos seus propósitos originais de administração da casa da humanidade, considerando o bem-estar coletivo e a sustentabilidade do planeta. Sem ética no mundo das finanças, não conseguiremos viabilizar, simultaneamente, os cinco princípios concretos da democracia, segundo o saudoso sociólogo Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho: igualdade, liberdade, diversidade, participação e solidariedade.
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é professor da Faculdade JK, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários