Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A Terceira Era do Ouro

O jornalista e professor Laurindo Lalo Leal Filho merece parabéns pelo belo programa de domingo (21/08/16) sobre literatura na TV na TV Brasil com Manuel da Costa Pinto, Ferrez e Hélio Guimarães. Quanto a inquietação buscada na narrativa, independente da plataforma, pelo professor de literatura Hélio Guimarães, penso que pode ser saciada nas séries americanas padrão HBO, depois seguida pelas demais, que desbancaram o cinema no quesito ousadia tanto na forma como no conteúdo.

Exemplos de séries que transcenderam a narrativa tradicional que existia até o advento deste jeito novo de narrar começa, talvez, com Família Soprano e segue com “Breaking Bad”, “Mad Man”, “The Wire” e outras. Os primórdios deste novo formato, ainda que sem todas as características inovadoras dos acima mencionados, já se faziam presentes no ótimo seriado policial “Hill Street Blues” (Chumbo Grosso), nos anos 90, que narra o dia a dia de uma delegacia de policia nova-iorquina.

O diferencial desta turma que envolve roteiristas, diretores, executivos de estúdio, é que sua prioridade não é o retorno do investimento em no máximo um mês como faz Hollywood que tem  foco para atingir tal objetivo na infantilização do cinema com as sagas de historias em quadrinhos e super-heróis. Nada contra existir filmes com esta pegada. O que se questiona é o abandono ou, pelo menos, um maior espaço, idem investimentos, para uma linha, digamos, mais adulta.

Existe uma boa análise da chamada terceira era do ouro – aqui reside uma boa puxada de brasa para o assado patriótico do autor, por certo. Para ser justo ele atribui ao começo deste tipo de narrativa popular o romance de folhetim vitoriano de Dickens, Trollope, George Elliot e, acrescento, Balzac – no livro “Homens Difíceis”  de Brett Martin, editora Aleph.Quando ele, Brett Martin, chama de terceira idade de ouro, ele se refere ao fato destas séries tornarem- se uma forma artística equivalente ao que os filmes de Scorsese, Altman, Coppola e outros haviam representado nos anos 70 ou ao que os livros de Updike, Roth e Mailer tinham sido nos anos 60.

Lamento que amigos intelectuais, que cultivam reservas a tudo relacionado com televisão, percam a oportunidade de usufruir desta forma artística que não fica a dever em nada as narrativas literárias e cinematográficas das idades de ouro que a antecederam. Com o adicional de exercitar uma abordagem do mundo de hoje de forma profunda e reveladora.

O sentimento anti-muçulmano

Um exemplo recente deste tipo de série televisiva é “The Night Of” – cuja primeira temporada e única (?) findou mas está disponível no Now –  que narra a historia de um jovem muçulmano envolvido em um crime de estupro seguido de morte. A série era para ter como protagonista o ator James Gandolfini, o Toni Soprano da série Família Soprano, que comprou seus direitos e morreu antes de começar as filmagens. Seu amigo John Turturro decidiu dar prosseguimento ao projeto e trabalha como ator e é executivo- produtor dela.

Nela tem- se um mergulho na sociedade nova-iorquina pós- 11 de setembro onde remanesce um forte sentimento anti-muçulmano que leva os agentes institucionais a decisões apressadas e sumarias sem muitas preocupações com o espírito republicano quando em um processo está envolvido um muçulmano. Claro que tal procedimento relaxado das autoridades e da sociedade não se restringe a casos envolvendo muçulmanos, mas quando este está presente esta postura se agudiza.

O mundo judiciário com suas idiossincrasias e parcerias atuando em um tácito conluio e definindo de antemão o destino das pessoas antes mesmo de análise mais acurada das provas, a prisão dominada por gangues, advogados mais preocupados em usar causas com tintas espetaculares, como é o caso de um crime envolvendo sexo, drogas e um jovem muçulmano, capazes de o projetar na cena midiática do que com a justiça.

Tudo é tratado com verdade, crueza e refinamento narrativo. Os personagens- chaves da trama demonstram densidade dramática na justa medida dos seus personagens problemáticos. Nenhuma concessão à narrativa maniqueísta, esquemática, típica da Hollywood atual que funciona com os olhos voltados para a bilheteria e manda ndo as favas o velho estilo narrativo mais adulto de ontem que o consagrou., Como disse Francesca Azzi, curadora de festival de cinema e sócia de espaço no Rio de Janeiro de filmes independentes que tem esta mesma pegada: “É uma daquelas obras de arte capazes de nos ensinar sobre uma cidade, um país, mais do que se viajássemos para conhece- lo”.