Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Todos usam o terror, sobretudo os terroristas

Pela segunda vez, em três anos, os banhos de sangue e as carnificinas são rapidamente deixados de lado e o terrorismo passa a ser discutido e validado como ação política.


O massacre do 11 de Setembro foi concebido e executado pela al-Qaeda para aproveitar ao máximo o potencial de exposição e dramatização da mídia. Conseguiu. Os quase três mil mortos de Nova York ainda não estavam contados quando alguns ‘progressistas’ irracionais já entoavam a cantilena de que o atentado foi uma boa lição para o presidente Bush.


Frei Leonardo Boff chegou a escrever que quatro aviões jogados em Nova York e Washington eram insuficientes. Retratou-se; outros disseram as mesmas barbaridades e prosseguiram no desvario.


O presidente George W. Bush serviu-se do assassinato coletivo dos seus compatriotas para iniciar a sua Guerra Santa contra a Guerra Santa islâmica. Seu fundamentalismo precisava do fundamentalismo da al-Qaeda. Com aprovação internacional, deu-se bem no Afeganistão, mas a intervenção unilateral no Iraque está sendo uma catástrofe.


A chacina madrilena no 11 de Março também foi concebida como ação política e midiática, na véspera de uma eleição em que o PP ainda majoritário oferecia indícios de fadiga. O governo espanhol caiu na esparrela – tentou capitalizar o massacre atribuindo-o ao ETA porque não lhe interessava explorar a hipótese de que poderia ser a al-Qaeda querendo vingar-se da sua participação na ocupação do Iraque.


Erro irreparável


José Maria Aznar foi derrotado nas urnas três dias depois quando o eleitorado espanhol – um dos mais esclarecidos da Europa e servido por uma imprensa madura e responsável – percebeu a tentativa de manipulação.


Os quase três mil mortos de Nova York e os 201 mortos de Madri – alguns ainda insepultos – já estão esquecidos. A mídia ajudou a esquecê-los. Cansada do horror e dos corpos estraçalhados, prefere entreter-se com suas pequenas indignações.


De um lado, os cruzados da direita espanhola encastelados na agência de notícias estatal EFE, que surrupiaram as evidências das primeiras horas, quando o terror islâmico aparecia como principal suspeito.


Do outro lado, os cruzados da esquerda insana, com Robert Fisk à frente, intransigentes defensores do princípio de que os fins justificam os meios, encantados com a nova vitória do terror e a ‘lição’ que deu aos que não sabem enfrentá-lo.


O líder vitorioso dos socialistas espanhóis, José Luiz Zapatero, foi taxativo ao garantir que não será cúmplice do terrorismo nem partícipe do desastre que está se armando no Iraque. É uma opção política e moral, intransigente.


Jornais e jornalistas podem fazer suas opções políticas, mas entre elas não pode estar a resignação à barbaridade. A mídia internacional cometerá um erro irreparável ao admitir o terror no repertório de ações políticas. O terrorismo não é um projeto ideológico nem programa partidário. É uma sanha sem limites, irracional.


Validado o terror, a próxima vítima pode ser a própria mídia.