Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A propaganda e o mito

A entrevista dada pelo ex-presidente Lula ao apresentador de programas de gosto duvidoso Carlos Massa, o “Ratinho”, no dia 31 de maio, desperta reações e análises.

De um lado, Lula demonstra não ter perdido seu tino para a política e para as manipulações. Em um momento em que se encontra envolto em denúncias por parte do ministro do STF Gilmar Mendes, encontra seu público em um programa popular e renova seu próprio caráter mítico. De outro lado, dá mais gás a um tipo de programa sensacionalista e que despreza em diversos momentos os direitos humanos, dando ibope ao que muitos mesmo dentro de seu partido passaram décadas lutando para combater.

Lula, aos poucos, se torna um mito, uma figura central na política brasileira, como foi Vargas, com a diferença que Lula sabe se manter por cima, vivo, como eminência parda, ao mesmo tempo em que escapa das piores críticas feitas à sua sucessora. O termo “Pai dos Pobres” não cabe mais em Vargas, que ganhou um sucessor.

Ao fazer sua primeira grande aparição, sua primeira grande entrevista pós-câncer em um programa popular ou mesmo popularesco, manda diversas mensagens a seus aliados e inimigos. Aos amigos se mostra forte, atuante, pronto para futuras batalhas, enfim, recuperado. O fato de ter ido a um programa de “variedades” e não a um jornal como o Nacional, da Globo, ou qualquer outro das principais redes de TV, pode ser encarado como um golpe nas grandes redes de TV que insistem em criticar seu legado e também como uma forma de agradar sua militância que, apesar da total ausência de ação ou mesmo vontade do governo (o seu e o atual de Dilma) em regular a mídia, democratizar as comunicações, há esperanças.

Canal legítimo

Um desafio vazio para uma militância cada vez mais, ela própria, vazia de propósitos. Por outro lado, Lula também manda sinais preocupantes. Aparece em um programa considerado terrível por muitos ativistas dos direitos humanos, de um apresentador cujos programas são uma afronta à dignidade humana, mas cuja popularidade é indiscutível e, a partir deste momento, passa a crescer mais ainda. “Ratinho” pode, agora, afirmar ser amigo do “mito” Lula, ser seu interlocutor preferencial e louvar a “qualidade” de seu programa que, por isto mesmo, atraiu a atenção e a preferência do ex-presidente.

Lula é inteligente, esperto, e sabe o que faz. Se aproxima das classes mais baixas ao mesmo tempo em que manda um recado (ainda que vazio) aos seus opositores de que não terão a preferência ou o respaldo dele, que a mídia é que depende dele e que não importam os factoides ou as denúncias até verídicas feitas, há sempre uma forma de cair nas graças do povo.

Ao mesmo tempo, a militância se anima, emociona, chora e ri com suas histórias e anos de trabalho contra a baixaria na TV vão por água abaixo. De uma hora para outra, o que antes tinha gosto duvidoso ou era simplesmente descrito como baixaria, passou a representar um canal legítimo com o povo.

Virar um mito

Lula lembrou de sua principal bandeira, apropriada por Dilma: a de construir um país de “classe média”. Ele esqueceu apenas de lembrar que, segundo dados de seu próprio governo, quem ganha 291 reais já é parte da “classe média”. Ou seja, não estamos falando de condições de vida tão boas assim, mas apenas da capacidade de, talvez, se alimentar. É um avanço? Sem dúvida, mas não o suficiente para santificar alguém.

De quebra, Lula levou Haddad, candidato à prefeitura de São Paulo, a tiracolo. Mais um acerto político que, porém, se mostra uma manobra nada ética em termos de campanha eleitoral. Mas pouco importa para seus fãs e nada pode ser feito por parte de seus críticos. Lula é quase intocável.

Um questionamento válido para a militância, porém, é: se o entrevistado do “Ratinho” fosse o Fernando Henrique e este levasse o Serra junto, qual seria a reação? De certa forma, há justiça no espaço cedido a Lula para que este pudesse se defender das acusações de Gilmar Mendes que, por sua vez, possui espaço garantido em quase todo o resto do monopólio comunicacional brasileiro, mas a campanha antecipada para Haddad e o quadro melodramático da vida do ex-presidente eram totalmente desnecessários. Menos para o “espetáculo”.

Lula tem a possibilidade – e a capacidade – de virar um mito em vida e de se fazer um mito. E pelo visto não deixará a chance escapar. Se isto, porém, é bom para o país, só o tempo dirá.

***

[Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, blogueiro, mestrando em Comunicação (Cásper Líbero) e bacharel em Relações Internacionais]