O britânico Guardian publicou há poucos dias um guia para orientar o espectador que tem prazer em falar mal do que vê na TV. Longe de ser uma ode ao masoquismo, o jornal constata que, graças às redes sociais, em especial o Twitter, pode ser extremamente divertido odiar a programação. Até um neologismo -hate-watching- já existe para os cultores dessa arte.
O mais fácil é escolher um programa ruim e odiá-lo, ensina o jornal. Também não é difícil falar mal de uma atração que tinha tudo para ser boa, mas não é. Pode ser divertido ainda odiar uma pessoa específica -um ator, um personagem, um apresentador.
Mais engraçado ainda é acompanhar a desgraça alheia exibida em reality shows e programas popularescos. O mais difícil e desafiador é encontrar motivos para ódio onde menos se espera encontrá-lo.
Irônico e bem-humorado, como sempre, o Guardian não deixa de reconhecer, porém, que é preciso gostar de ver TV antes de poder odiá-la.
Respeito quem não tem interesse algum pelo que passa na televisão, mas acho curioso constatar como, em 2012, ainda há quem tenha prazer em falar mal sem conhecê-la. Mistura de pose e preconceito, essa atitude antiga sobrevive em certos meios como se fosse um traço distintivo de classe.
Trama primária
Escrevo a respeito por prazer, o que inclui o prazer de odiar. No momento atual, adoro odiar Avenida Brasil, mas tenho encontrado poucos parceiros, tamanha a unanimidade alcançada pela novela das 21h da Globo nas redes sociais.
Melodrama tradicional, em torno do tema da vingança, a trama tem ótimos personagens, em especial os ambíguos vilões, texto de boa qualidade, direção exigente e, talvez o mais importante para o sucesso, ritmo vertiginoso, típico de seriado, com muitos acontecimentos e viradas a cada capítulo.
João Emanuel Carneiro dividiu a trama em dois grandes núcleos geográficos, o Divino, bairro fictício da zona norte do Rio, e a Zona Sul, mencionada como se fosse um bairro.
No primeiro, convivem amistosamente os personagens da classe C e os que ascenderam, mas preferiram continuar lá. A situação, em si, não é irreal, mas ganha tratamento idealizado pelo autor. O Divino, na verdade, é uma cidade do interior dos sonhos, sem conflitos sociais, em que todos vivem em harmonia.
Tufão (Murilo Benício) é o personagem-símbolo do bairro. Ex-jogador de futebol, hoje rico, apaixonou-se por Nina (Débora Falabella), a mocinha em busca de vingança, disfarçada de empregada doméstica.
Filha de um contador, suburbana, Nina foi abandonada num lixão após a morte do pai, mas teve a sorte de ser adotada por um casal de argentinos, que a tirou do país. Voltou "educada" e conquistou Tufão emprestando ao patrão obras clássicas da literatura, de Kafka a Machado de Assis.
Além desta fé no "processo civilizador" de Tufão, Carneiro não confia totalmente na capacidade do público de compreender a ambiguidade de seus vilões. Assim, sempre que Carminha (Adriana Esteves) comete uma maldade, ela se vira para a tela (de costas para seus antagonistas) e pisca o olho ou comenta algo, para não deixar dúvida de que foi falsa na cena.
Avenida Brasil é, assim, em alguns aspectos, tão primária quanto outras novelas do horário.
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[Mauricio Stycer, Folha de S.Paulo]