Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Galãs bundões

Em 1980, o escritor e militante da então chamada “esquerda festiva” Fernando Gabeira lançou em livro o ensaio autobiográfico O crepúsculo do macho. Gabeira pregava a dulcificação do homem, fato que se materializaria com o desfile de sua famosa sunga de crochê na praia. Era o tempo em que os homens ainda faziam sucesso como machões nas novelas de TV. O homem frágil e com uma acentuada porção feminina funcionava como uma rasura, um escândalo, 30 anos atrás.

Se Gabeira não estivesse hoje impotente para a literatura, lançaria o livro O Apocalipse do macho. Ele descreveria um Juízo Final pouco animador. O homem chega ao fim da História com a dignidade zerada. Dizem que os responsáveis pela campanha de desmoralização são os autores de novela, que rebaixaram os personagens masculinos. Eles têm vilipendiado e convertido o homem em saco de pancada. No entanto, é preciso fazer a ressalva: a ficção popular na TV reflete apenas o que se passa no mundo propriamente dito. O homem másculo não só se encontra em extinção. O que sobrou dele degenerou em caricatura, tudo para agradar ao público feminino.

Há uma superlotação de galãs parvos, delicados ou chifrudos nas novelas das 19h, 21h e 23h. Alguns são fortões, mas usam colares e fazem a sobrancelha. De Nacib, de Gabriela, a Fabian, de Cheias de charme, não sobrou homem sobre homem com direito de usar este nome. Todas as figuras masculinas foram emasculadas. Nacib (Humberto Martins) é o metrossexual da zona cacaueira em 1925, como se teria sido possível. Ele mostra um vasto repertório de trejeitos, e sempre se sujeita aos desejos de Gabriela. Dá saudades do Nacib de Armando Bógus, da versão de 1975. Fabian (Ricardo Tozzi) só pensa em se olhar no espelho e arrancar elogios e suspiros das empreguetes. Protótipo do galã bundão, é apaixonado por si próprio, e nisso só é ultrapassado por seu sósia Inácio, que faz o gênero bonzinho. Nas novelas, os bonzinhos estão cada vez piores e mais suspeitos.

As distorções da nova família brasileira

Mas vamos assistir melhor a uma novela que vale por todas: Avenida Brasil, o maior sucesso hoje no Brasil. Jorginho (Cauã Reymond), uma espécie de mocinho da novela, ultrabonzinho, é manipulado por todas as garotas com quem se envolve e se comporta como mero objeto sexual delas. Seu pai adotivo, Tufão (Murilo Benício), é traído pela mulher, Carminha (Adriana Esteves), e não consegue se livrar da virago. Ela tem um amante, Max (Marcello Novaes), vilão de opereta, dependente do dinheiro dela e casado com a irmã de Tufão. Mas o pior personagem de Avenida Brasil é Cadinho (Alexandre Borges), o polígamo compulsivo que pensa ser um Don Juan, mas, na realidade, não passa de um vibrador sempre à mãos das mulheres. Não restou um galã de verdade, um Tarcísio Meira que apareça para mostrar que ainda existem machos neste mundo. E talvez não restou porque não há mais.

Custo a acreditar que a maior parte das mulheres que vê televisão deseje que seus companheiros sejam como esses personagens. Já está provado que a maioria delas prefere os tipos com características másculas mais acentuadas aos tipos frágeis para se acasalar. Então por que elas gostam tanto de ver os homens ridicularizados?

Há quem diga que é porque muitas delas – e aqui entra a grande maioria das mulheres que assistem à TV aberta, pertencentes às classes C e D – sofram violência doméstica ou odeiem em silêncio os seus parceiros sexuais. Dessa forma, as novelas funcionam como válvulas de escape para as frustrações de seu público preferencial. Em resumo, elas apanham em casa e se vingam pela televisão, vendo espécimes do sexo oposto sendo torturados até o arrependimento ou a morte. Sonham com um corretivo que regenere seus maridos, amantes e namorados. E é uma pena que Walcyr Carrasco, João Emanuel Carneiro e Sylvio de Abreu – respectivamente autores das novelas Gabriela, Avenida Brasil e Cheias de charme – não estejam à frente da coordenação da Delegacia da Mulher. Eles certamente conseguiriam corrigir as distorções da nova família brasileira.

O fogo do inferno e a crueldade das mulheres

Alguns respeitáveis teóricos europeus denominam a tendência expressada nas obras de arte e entretenimento de difamar o homem de “machismo às avessas” ou “sexismo reverso”, uma espécie de revanche tardia das feministas, agora travestidas em “feministas geeks” que exacerbam seu ideário ao transformar sua agenda libertária em pura opressão fundamentalista. São as mulheres que não amavam os homens. Por isso, elas tratam de impor a derrota ao macho pelo uso da força, do deboche e do ultraje. Será que não percebem que põem tudo a perder quando reduzem seus parceiros a vermes?

A refutação simbólica do homem rende falas e cenas hilárias na novela brasileira e em outras manifestações artísticas. Alimenta a audiência feminina e reformata o imaginário popular. Mas, no fundo, o sexismo reverso, usado pragmática e inconscientemente pelos autores e ecoado pelas espectadoras, só faz reforçar o preconceito e alimentar o ciclo das revanches. Logo irá aparecer o “machismo reverso” ou mesmo o “ultramachismo”.

Quando, às vezes, tento acompanhar as trapalhadas de personagens como Tufão e Jorginho, sinto uma compulsão quase incontrolável de adotar o modelo porco chauvinista. Felizmente sou um sujeito racional que ama as mulheres – sem, contudo, perder a dignidade e o senso de liberdade. O macho pode ser arrastado à danação no fim dos tempos. Mas não estarei por perto para ver a execução última da espécie pelas verdugas do sexismo reverso. Prefiro o fogo do inferno à crueldade das mulheres.

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[Luís Antônio Giron, da revista Época]