Renovar o jornalismo de TV, ousar, enlouquecer a concorrência, incomodar poderosos, remar na contracorrente. Essas são as intenções de um telejornal fictício, base da trama do seriado americano The Newsroom, sensação nos EUA, agora na TV a cabo do Brasil. Criação de Aaron Sorkin, o mesmo da série The West Wing e do filme A Rede Social, The Newsroom não deixa ninguém indiferente. É cultuado com intensidade, e odiado também. Para jornalistas, assisti-lo vira hábito compulsivo (ainda mais para os de TV, meu caso).
Mas The Newsroom não surgiu do nada, a partir de algum insight genial do criador Sorkin (sujeito intragável, garante quem já esteve frente a frente com ele). Deve muito, e não sei se isso foi devidamente notado, a uma série inglesa exibida em 2011 pela BBC: The Hour. Assim como em The Newsroom, em The Hour uma equipe de jornalistas muito jovens, chefiados por uma mulher, é chamada a criar uma atração inovadora. Em The Newsroom, um telejornal diário. Em The Hour, um programa semanal, com as principais notícias do período. The Newsroom se passa em 2010. O seriado inglês, no turbulento 1956, Guerra Fria a mil. The Newsroom tem o DNA de Sorkin em cada cena. Diálogos precisos, raciocínios velozes como a luz, situações perfeitamente encaixadas e resolvidas.
The Hour, bem, The Hour é inglês. Tem ritmo mais lento, natural. É sombrio, sutilmente divertido e autoparódico. Em The Hour, os jornalistas repetem em todo episódio: “Não queremos entediar o espectador.” O que não significa apelar para sensacionalismo ou banalidades. Vivem em tempos turbulentos, perfeitamente refletidos no programa. Falam da crise do canal de Suez, da invasão da Hungria pelas tropas soviéticas, dos titubeios do governo conservador de Anthony Eden.
A grande sacada
No jornal fictício de The Newsroom, a série americana, não há preocupação com formatos atraentes. Seus jornalistas se veem como arautos de uma missão que julgam civilizadora. “Notícia importante é notícia útil na hora de votar”, sentencia, logo no primeiro capítulo, a editora-chefe. Ou seja: só cobrem política e economia, e na base de muita falação.
Apresentado ao vivo, o noticiário ficcional de The Hour, o seriado inglês, se alicerça em reportagens sérias, mas criativas. Para denunciar o preconceito racial, recrutam um branco e um negro, e pedem que ambos tentem pernoitar em pensões baratas de Londres. Batata: o branco é aceito facilmente; o negro tem de dormir na rua. Ambos contam suas histórias a posteriori a um repórter que também aparece em quadro – grande novidade para a época, em que predominavam informes impessoais, narrados por um locutor em off.
Em The Newsroom (pelo menos até o quarto episódio, o último que vi), a base é o palavrório de estúdio. Os pobres repórteres só aparecem em intervenções ao vivo, fazendo escada para que o apresentador solte a língua. Na posição política do âncora Will McAvoy (interpretado magistralmente por Jeff Daniels) está a grande sacada do roteirista-chefe Aaron Sorkin. McAvoy não é, como seria óbvio, um democrata típico de Nova York, abraçador de árvores, vegetariano e partidário de qualquer causa politicamente correta que lhe passe pela frente.
Um seriado de TV
McAvoy é republicano, filiado ao partido. Sua tese é que o movimento Tea Party, legítimo na origem, foi tomado pela extrema direita. E que, como o Tea Party passou a controlar o Partido Republicano, este se afastou de seus ideais conservadores, porém civilizados. Na realidade paralela de The Newsroom, McAvoy se situa em um campo hoje desocupado no jornalismo a cabo da TV americana, o da direita esclarecida (o da direita boçal e histérica é terreno da Fox News).
Já os jornalistas da ficção inglesa de The Hour não falam abertamente, mas compreende-se que são simpáticos ao Partido Trabalhista (exceto o apresentador, Hector Madden, que não liga para notícias e dedica 100% de sua energia a cantar todas as mulheres da Redação). A editora-chefe adora desafiar o governo conservador, apesar do censor/lobista que atua dentro da BBC e tenta manipular o noticiário de acordo com os interesses do primeiro-ministro.
Do ponto de vista narrativo, como quase sempre nas séries americanas, Newroom se parece com… um seriado de TV. Já The Hour, que volta neste ano à BBC, em segunda temporada, se parece com a vida. Ambos têm seus atrativos, vale muito conhecê-los.
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[Álvaro Pereira Júnior é colunista da Folha de S.Paulo]