Na semana passada [retrasada], foi ao ar, pela televisão americana, o último episódio da primeira temporada de The newsroom. Aqui no Brasil, onde a série também é exibida, ainda faltam quatro ou cinco programas para serem mostrados. De qualquer forma, o sentimento que fica é o de que vai ser muito difícil esperar um ano inteiro para acompanhar a segunda temporada.
Como, nesta altura do campeonato, todo mundo sabe, The newsroom é o seriado da HBO ambientado na redação de um telejornal – o News Night – de uma TV por assinatura fictícia, a Atlantis Cable News, ou ACN. Mostra o dia-a-dia de Will McAvoy (Jeff Daniels), o âncora do programa; MacKenzie McHale (Emily Mortimer), a produtora executiva, e de toda a equipe da redação. Durante os dez episódios que formam a primeira temporada, passa-se pouco mais de um ano. Em cada programa, a equipe lida com notícias verdadeiras que ocorreram nesse período, como o derramamento de petróleo no Golfo do México, em abril de 2010, ou os acontecimentos da Primavera Árabe, em fevereiro deste ano. Os assuntos são tirados da vida real, mas a redação é tão improvável quanto encontrar uma moeda de 1 centavo no troco do supermercado.
É falso, mas é irresistível. Sempre fui atraído por filmes sobre jornalismo. Não desprezo a versão de que tenha optado pela profissão logo após assistir a A primeira página, a comédia de Billy Wilder com Jack Lemmon e Walter Matthau, de 1974. Entre os meus filmes preferidos de todos os tempos, certamente está incluído A Montanha dos Sete Abutres, também de Billy Wilder, com Kirk Douglas, de 1951. Outro dia mesmo, falamos aqui de filmes de faroeste e alguns leitores se lembraram de O homem que matou o facínora, de John Ford, com James Stewart e John Wayne, de 1962.
Jornalistas saem ganhando
Todos esses filmes atribuem ao jornalismo uma característica comum: o cinismo. Em A primeira página, o jornalista não hesita em interferir nos caminhos da Justiça para garantir um furo de reportagem. Em A Montanha dos Sete Abutres, o repórter decadente vivido por Douglas vê uma chance de recuperação na carreira ao prolongar o resgate de um mineiro para que possa escrever com exclusividade uma série de matérias sobre o assunto. É de O homem que matou o facínora a frase que pauta muito do que aparece na imprensa: quando a lenda é melhor do que o fato, publique-se a lenda.
Quando são generalizados, todos esses três comportamentos se tornam tão falsos quanto The newsroom. Não que não haja cinismo no jornalismo. Mas não há só cinismo no jornalismo. Sempre faltou equilíbrio ao tratamento que o cinema dá à profissão. The newsroom veio para equilibrar. Seus jornalistas também não são muito parecidos com a maioria dos jornalistas da vida real. Mas, depois de 100 anos de maus tratos provocados pelo cinema, bem que a profissão estava merecendo essa colher de chá.
Em The newsroom, Will McAvoy é o Dom Quixote da notícia (o romance de Cervantes é citado em quase todos os episódios). Ele comanda uma equipe que pretende fazer uma revolução no jornalismo: só pôr no ar notícias que realmente sejam importantes para o espectador. E quem decide o que é importante? Os jornalistas do Night News, é claro. Na sua missão, eles desafiam os anunciantes, os institutos que medem audiência e até os proprietários da ACN. Sempre saem ganhando, é claro.
Quixote para o horário eleitoral
A série traz para a televisão algumas das discussões que movimentam as redações nos dias de hoje, como a fronteira cada vez mais confusa entre o entretenimento e o jornalismo. No Night News, não cabem receitas de bolo, reportagens engraçadinhas feitas no jardim zoológico ou dicas para o espectador controlar seu orçamento. Nas reuniões de pauta, eles estão sempre atrás do que o governo quer esconder ou de estratégias para demonstrar que as autoridades estão mentindo. Eles não dão espaço para subcelebridades. Desprezam o jornalismo da internet (McAvoy não sabe nem acessar o blog que a emissora criou para ele). Não se submetem a pressões da audiência para cobrir assuntos que veem como sensacionalistas.
Num episódio comovente (o penúltimo), a equipe dedica 24 horas de cada um de seus dias para criar uma nova forma de debate eleitoral. Um debate em que o mediador pergunte o que realmente interessa ao eleitor e em que os candidatos tenham tempo para expor suas ideias ou sua falta de ideias. Desta vez, os Quixotes perdem. As assessorias dos candidatos ficam chocadas com a iniciativa e acabam com a brincadeira. Aqui no Brasil, em plena vigência do horário político eleitoral gratuito, dá vontade de encontrar um Quixote que mude isso.
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[Artur Xexéo é colunista de O Globo]