Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Serra, Haddad e Tiririca

Minhas preces foram ouvidas. Nos EUA, os candidatos à vice-presidência romperam as regras dos debates e partiram para um verdadeiro pugilato – ou vale-tudo – na TV. Foi um festival de ataques agressivos, ironias e muitas provocações. Um debate tenso, repleto de bons momentos para quem gosta de TV ao vivo de verdade. Ver aqui as reações dos candidatos durante o debate aqui.

Joe Beiden foi acusado pelos republicanos de ser unhinged – que pode ser traduzido por “destemperado” ou “insano”. Ele teria quebrado todas as regras de bom comportamento e civilidade obrigatórios nos tradicionais debates na TV (ver, neste Observatório, “Os debates políticos na TV“).

O candidato à vice-presidência dos EUA pelo partido Democrata abusou dos recursos mais histriônicos da linguagem não verbal na TV. Elevou os braços para mostrar espanto e manteve largos sorrisos para provocar o tímido e orelhudo candidato republicano Paul Ryan. A imagem na TV é sempre exagerada e cruel. Magnifica qualidades e defeitos. (Ver aqui a íntegra do debate.)

No final, segundo pesquisa da rede de TV CBS, Beiden venceu o debate por larga margem. Depois da apática performance de Barack Obama na semana anterior, Beiden recuperou a esperança de vitória para os democratas americanos. Apesar dos exageros ou destemperos, o candidato democrata foi um sucesso na TV.

Aqui no Brasil, contamos os minutos para assistir ao grande embate televisivo: José Serra versus Fernando Haddad, em horário nobre. Caso o debate não seja “misteriosamente” cancelado, teremos a oportunidade de decidir quem será o candidato vitorioso. Pelo menos na TV.

A principal questão, no entanto, é saber quem vai cometer a maior gafe ou conseguir o tão aguardado e valorizado knock-out televisivo. Também devemos ficar atentos às versões do debate que serão editadas para os telejornais. Em outros tempos, essas edições decidiram a derrota do candidato Lula da Silva diante de Fernando Collor. Em tempos de grandes decisões políticas na TV, é importante recordar os impasses do passado recente (ver “A mais polêmica edição do Jornal Nacional“).

“A Globo sempre negou que tivesse havido má-fé, mas admite que não foi uma edição equilibrada. (…) Na época do debate entre os dois candidatos à presidência, já no segundo turno, as pesquisas apontavam um empate técnico; logo, o confronto na televisão era peça-chave na disputa. No dia seguinte ao debate, a Globo exibiu duas edições diferentes sintetizando o confronto entre os candidatos. A primeira foi ao ar no Jornal Hoje. É consenso que o material apresentado foi imparcial e bem equilibrado; talvez tenha havido até um equilíbrio inexistente no debate em si. Já a edição da noite, no JN, apresentou Collor como campeão do confronto”.

Tiririca mediador

Para abrilhantar o show na TV e evitar os erros do passado, os marqueteiros de plantão devem estar muito ocupados criando dossiês ou buscando acusações surpreendentes e inesperadas. Não precisam ser verdadeiras, mas devem causar impacto para evitar que os entediados telespectadores dos nossos engessados debates desliguem a TV ou não votem. Os profissionais de campanha preparam seus candidatos para refutar tanto as verdades quantos as mentiras. Tanto faz.

Televisão é antes de tudo impressão de verdade. E candidato bom de TV é aquele domina o meio. Não se importa com conteúdo ou com a verdade. Vence quem for mais agressivo e “televisivo”. Vence quem cometer menos erros.

Difícil escolha dos paulistanos. Afinal, quem é o pior candidato. Entre o mensalão do PT e o mensalão do PSDB, atenção para uma significativa parcela de eleitores nas últimas eleições em todo o Brasil: os que votaram “nulo” e em “branco”. Conforme anotou o Estado de S.Paulo

“Pleito teve 35 milhões de votos não computados no País. Em SP, 2,4 milhões de votos não foram contabilizados, ou seja, 28% do total de eleitores do maior colégio eleitoral”(ver aqui).

Bom lembrar que José Serra (PSDB) teve 30,75% dos votos válidos e Fernando Haddad (PT) ficou com 27,97% dos votos. Ou seja, os eleitores que votaram em “ninguém” obtiveram o “segundo lugar” nas eleições paulistanas. Esses eleitores merecem ser ouvidos e representados nos debates na TV. Afinal, por que votaram dessa forma? E o mais importante: como vão se comportar no segundo turno? Há uma grande possibilidade de a abstenção ser ainda maior? Ou será que “ninguém” será eleito para prefeito?

Minha sugestão é que esses eleitores que mandaram uma mensagem clara aos nossos políticos sejam representados de maneira efetiva nos debates da TV. Sugiro que convoquem Tiririca, o deputado palhaço mais votado do Brasil, para ser o mediador do debate. Já que os jornalistas que deveriam conduzir os debates de forma efetiva – e fazer perguntas relevantes – não o fazem, talvez Tiririca seja mais competente ou, pelo menos, mais engraçado.

Tiririca é o verdadeiro sucessor de personagens famosos da nossa política como o famigerado Cacareco paulista ou o Macaco Tião carioca. Assim como Tiririca, eles também foram muito bem votados. Talvez o eleitor que votou nulo ou em branco na última eleição esteja protestando contra um modelo velho, ultrapassado e viciado de fazer política no Brasil.

Voto nulo ou branco deveria ser respeitado e representado nos debates da TV. Se política virou um circo na TV, então chamem o palhaço. Tiririca para prefeito de São Paulo.

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[Antonio Brasil é professor da Universidade Federal de Santa Catarina]