Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Não vale a pena ver de novo

Experimente pedir a uma criança para contar uma boa piada de adulto. A graça da piada costuma se perder totalmente, mas é impossível não rir com a falta de jeito de quem tenta contá-la sem compreender direito o que está dizendo.

Tenho a impressão de estar vendo uma criança contar uma piada cada vez que assisto a “Guerra dos Sexos”, a novela das 19h30 da Globo. Trata-se, creio, de um dos maiores equívocos do ano.

“Guerra dos Sexos”, como se sabe, é um “remake” de uma novela de muito sucesso, com o mesmo título, exibida originalmente em 1983, escrita por Silvio de Abreu, um dos melhores do ramo.

Em ritmo de comédia pastelão e gags de cinema mudo, com Paulo Autran (1922-2007) e Fernanda Montenegro nos papéis principais, a novela foi considerada uma pequena revolução em sua época.

Muito do efeito cômico, então, deveu-se justamente ao “ruído” causado por ver atores do primeiro time (havia também os “medalhões” Tarcísio Meira e Glória Menezes) defendendo um texto tão escrachado.

Como lembra Nilson Xavier, no instrutivo “Almanaque da Teledramaturgia Brasileira”, a versão original de “Guerra dos Sexos” também marcou época por algumas ousadias, como a desinibição com que outras novelas e atores foram citados e, do ponto de vista da direção, pelo fato de os atores interpretarem dirigindo-se explicitamente ao público.

Nada disso é novo mais, o que explica muito do insucesso da atual adaptação. Além da falta de frescor, o tema central de “Guerra dos Sexos”, o do conflito entre homens e mulheres, soa ultrapassado em 2012. O que era engraçado há 30 anos hoje é apenas caricato.

Quase tão antigas quanto as novelas na televisão são os seus “remakes”. Tenho a impressão, no caso da má escolha de “Guerra dos Sexos”, de que a Globo se deixou empolgar pelo êxito de “Ti-Ti-Ti”, exibida em 2010, no mesmo horário das 19h30.

Maria Adelaide Amaral pegou duas novelas de Cassiano Gabus Mendes (1929-1993), “Ti-Ti-Ti” (1985) e “Plumas e Paetês” (1980), além de personagens de outras histórias do autor, colocou tudo no liquidificador e produziu uma história engraçadíssima, não apenas ambientada nos dias atuais, mas atualizada, de fato.

Já na faixa das 23h, dois outros “remakes” também produziram resultados muito diferentes. Exibido em 2011, “O Astro” foi uma grande homenagem a Janete Clair (1925-1983), autora da versão original, de 1977-78.

Escrita por Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, e com direção afiada de Mauro Mendonça Filho, “O Astro” foi uma espécie de celebração do que havia de mais exagerado e kitsch no texto de Janete, editada em ritmo de filme de ação.

Um ano depois, a emissora apostou numa nova versão de “Gabriela”, exibida originalmente em 1975. A homenagem, no caso, foi ao centenário de Jorge Amado (1912-2001).

Walcyr Carrasco, autor da nova “Gabriela”, mexeu no texto, introduziu novos personagens, mas não tinha como mudar o tema central, excessivamente batido e pouco atual -um retrato do atraso político e moral de uma sociedade nos grotões do Brasil nos anos 1920.

Em termos de audiência, “O Astro” e “Gabriela”, recém-encerrada, tiveram desempenho semelhante. Mas na memória do espectador vão deixar lembranças muito diferentes.

***

[Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo]