Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A morte dos cinejornais e os noticiários da TV

Quem ainda se lembra dos cinejornais brasileiros? Eles eram noticiários exibidos no cinema como uma espécie de trailer. Os assuntos eram variados e incluiam desde matérias turísticas até minidocumentários políticos de cunho governista.

Em décadas de produção com muitos títulos, o mais conhecido era o Canal 100,que antecipou esteticamente as coberturas de futebol modernas e tinha uma música tema clássica, “Na Cadência do samba”,mais conhecida como “Que bonito é” (ver e ouvir aqui).

Com novos ângulos, numa época em que havia poucas câmeras de TV por partida, e a qualidade superior de imagem e som do cinema registrados com a utilização de filmadoras portáteis, tinha o status de arte (ver aqui).

Os cinejornais foram os precursores da informação televisiva. Ou seja, no passado recente, o ritual de ir ao cinema incluía além da pipoca com Coca-Cola e dropes Dulcora,assistir a um noticiário apresentado antes do longa metragem. Cinema também era um espaço importante reservado para o jornalismo.

No cinema de hoje ainda temos as famigeradas pipocas com Coca-Cola. Os dropes Dulcora, “embrulhadinhos um a um”, infelizmenteacabaram. Foram substituídos por outros petiscos e guloseimas alternativas.

A indústria cinematográfica não é mais hegemônica. Mas continua firme, forte, poderosa e fatura muito. No entanto, os cinejornais, aquela reserva de mercado do jornalismo no cinema desapareceu.

O cinema, que já foi fonte importante de informação, com um espaço jornalístico nos cinejornais, se transformou em meio exclusivo de diversão e entretenimento. O cinema se livrou do jornalismo.

Assim como os noticiários do passado, os filmes de atualidade morreram. Foram substituídos por outras atrações comerciais que antecedem aos filmes principais.

O problema é que ninguém parece sentir muita falta dos cinejornais. Eles se tornaram objeto de nostalgia ou lembrança de velhos saudosistas.

Telejornalintruso

Hoje, nosso principal meio de comunicação, o meio hegemônico, ainda é a televisão. Apesar dos avanços e ameaças da internet, a TV continua poderosa e faturando alto. Mas a televisão, assim como o cinema, é um espaço prioritário de diversão e entretenimento. Quem se liga na telinha quer fundamentalmente diversão, quer fugir da realidade.

O sucesso recente da novela Avenida Brasil comprova o poder da TV e a renovação ou revolução da linguagem do folhetim televisivo. A TV é um bom veículo para o entretenimento, mas os noticiários podem estar morrendo. A informação, o jornalismo sério, tanto no cinema quanto na TV, parecem ser intrusos indesejáveis e incômodos.

O cinejornal que antecedia ao filme não era somente um apêndice ou complemento ao programa principal. Era um contato obrigatório do público com a notícia, com a realidade. Hoje, o telejornal também pode ser visto como um “intruso” no meio televisivo. Um momento de realidade na ilusão da televisão. Talvez não passe de um break, breve intervalo noticioso entre duas novelas. Assim como os intervalos comerciais, algo meio indesejável ou simplesmente “aturável” no mundo do escapismo da TV.

Devemos assistir aos comerciais para termos uma televisão aberta gratuita. Temos que assistir aos telejornais para não ser considerados “alienados”, foragidos da realidade. Mas, assim como os cinejornais do passado, os telejornais talvez não passem de “obrigações legais” impostas às emissoras de TV.

Apesar de “lucrativos”, será que os telejornais ainda têm alguma relevância e importância para o grande público televisivo? Tenho dúvidas.

Mesmo destino

Não acredito no futuro dos telejornais. Pelo menos não na forma como conhecemos os telejornais de hoje. Principalmente os noticiários noturnos como o Jornal Nacional ou Jornal da Record, por exemplo.

Nos EUA, é evidente a decadência desse modelo de telejornalismo. Cada vez mais os noticiários noturnos são deslocados para horários menos nobres. Noticiário na TV aberta é programa de velho e tende a ficar restrito aos canais noticiosos como a CNN, Fox News ou CNBC.

No Brasil, jornalismo de TV pode migrar definitivamente para a Globo News e suas congêneres nacionais. Assim como o cinema, a TV aberta parece estar se livrando dos telejornais. E não é por falta de notícias. Nas última semanas não faltaram más notícias sobre os ataques da guerrilha urbana oriundas de São Paulo e de Florianópolis. Mas, apesar da abundância de notícias e imagens fortes, assistir aos telejornais passou a ser simplesmente redundante, desnecessário, quase uma tortura.

Os noticiários na TV se tornaram chatos e previsíveis. Não se renovam ou inovam. É sempre a mesma coisa. É tortura principalmente para o público mais jovem conectado direto na internet e em redes sociais. Afinal, tudo que o JN mostra já foi visto e revisto na internet ou nas TVs a cabo. E a velha forma de apresentadores “flutuando” na redação como semideuses e ditando as notícias de forma professoral e distante parece coisa do passado.

É nessas horas que devemos nos lembrar dos sábios do passado. Em um texto histórico de 1992, “Dinâmica, ênfase, andamento e ritmo”, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, o homem que mais conhece TV no Brasil, já profetizava os problemas dos nossos telejornais atuais:

“Em algum momento da história da televisão brasileira alguém imaginou que repórteres e apresentadores devessem ser professores, resultando daí uma linguagem didática, explicada e fria. Quase sem exceção, nossos repórteres e apresentadores são formais e lentos, muito lentos. O nosso andamento é arrastado… Nossa dinâmica é péssima… Na televisão, os olhos e o rosto falam mais que as mãos. O ideal de quem fala, para poder ser bem ouvido, é o tom coloquial e nunca professoral… queremos uma televisão mais viva, e menos esquemática”.

Em 1992, muito antes das ameaças e transformações impostas pela internet, o velho Boni já alertava sobre os erros dos noticiários na TV. Poucos ouviram seus conselhos.

É bom lembrar que para um jovem em meados da década de 1970 os cinejornais também eram chatos, repetitivos ou atrapalhavam o início do longa metragem. Para os jovens de antes disso, não havia alternativas. Isso era tudo o que eles tinham.

Para os jovens de hoje, telejornais são chatos, repetitivos e atrapalham o inicio da novela de sucesso ou as incursões nas redes sociais. E eles têm alternativas.

Hoje, mais do que nunca, telejornal se parece com cinejornal. E se nada for feito, pode ter o mesmo destino.

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[Antonio Brasil é professor da Universidade Federal de Santa Catarina]