Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A interferência das TVs em horários de eventos esportivos

“En el fútbol actual mandan las televisiones. Nadie lo duda. Y el español no es una excepción.” Assim inicia um texto publicado no site do periódico esportivo espanhol Marca no dia 22 de novembro. O jornalista Enrique Ortego reclama que as datas das partidas da Copa do Rei foram modificadas porque a venda dos direitos de transmissão do Campeonato Espanhol pela LFP (Liga de Fútbol Profesional) só ocorreu um mês após a assembleia na Federação Espanhola determinar a tabela do torneio.

O acordo da LFP com duas emissoras exigia que fossem abertas, até o final do ano, 10 datas para a transmissão das partidas. Desta forma, como não jogariam no dia 23 de dezembro por conta de um pedido da associação de jogadores, uma rodada da Liga foi colocada no lugar de uma da Copa do Rei, que teve adiado o jogo de volta das oitavas de final para janeiro.

Claro que esse caso, quando o acordo de transmissão é realizado às vésperas do torneio, é uma exceção nos grandes campeonatos do mundo. Ortega chega a dizer que a Espanha “depende mais desses contratos que outros grandes Campeonatos que têm outra fonte de recursos”. Se por uma parte é verdade, já que por conta dos efeitos da “crise” econômica na Europa, os clubes médios e pequenos têm grandes dificuldades em conseguirem patrocinadores, o que reforça o poderio dos recursos oriundos dos meios de comunicação; por outro, o dinheiro do broadcasting conforma a maior parte das receitas dos clubes em várias partes do mundo.

Pressão da Globo Esporte

No Brasil, a discussão sobre a determinação de datas e horários esportivos também aparece com certa frequência. No recente debate sobre a venda dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol, após interferência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, lemos, vimos e ouvimos que a Rede Globo de Televisão, detentora desses direitos, prejudicaria inclusive os torcedores por colocar os jogos das quartas-feiras à noite a partir das 21h50. O Termo de Cessação de Conduta assinado pela emissora e pelo Clube dos 13 não tocou no assunto, até mesmo porque não há legalmente nenhum limite estabelecido quanto ao início ou término de eventos esportivos e/ou de entretenimento.

Até houve uma tentativa em 2010 de se criar restrições quanto ao assunto. Os vereadores da cidade de São Paulo aprovaram o Projeto de Lei 564/06, de Agnaldo Timóteo (PR) e Antônio Goulart (PMDB), que tratava do estabelecimento do término das partidas realizadas em São Paulo para às 23h15, em estádios com capacidade superior a 15 mil pessoas, desde que não em partidas internacionais (caso da Copa Libertadores). A proposta foi defendida pela Rádio Jovem Pan, com vinhetas em sua programação e com a participação de repórteres e comentaristas em sessões da Câmara de Vereadores paulistana.

Como não poderia deixar de ser, houve forte pressão da Globo Esporte, que adquire os direitos de exibição de eventos esportivos para os meios de comunicação da Globo Comunicação e Participações S.A., para que o projeto fosse posteriormente vetado. “Ajudaram” nisso, na época, a Federação Paulista de Futebol e clubes como Corinthians e São Paulo, que ameaçaram tirar seus jogos da capital. O projeto foi vetado pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD) por o “desporto ser de competência legislativa da União, Estados e Distrito Federal”; e, posteriormente, não teve o veto derrubado pela Câmara de Vereadores.

A Fórmula 1 e o horário do público local

Lembrando que, por conta de sua grade de programação, a Globo opta por não transmitir os jogos da Liga dos Campeões da Europa, maior torneio interclubes do mundo, até as quartas de final ou semifinais porque eles, durante o horário de verão, iniciam às 17h45, quando começam as telenovelas. No caso das partidas mais tarde, elas começam após a exibição do principal produto da emissora, a telenovela das 21 horas. Porém, há exceções. Com o mercado transnacionalizado, que possibilita que produtos estrangeiros sejam mostrados nas mais variadas partes do mundo, e com a venda de direitos de transmissão a valores cada vez maiores, há locais e torneios em que as barreiras de mercado das emissoras locais não funcionam.

Nesta lista, podemos citar os amistosos realizados pela seleção brasileira de futebol nos Estados Unidos. Como eles são vendidos por uma empresa da Arábia Saudita para outros países, a exibição é determinada por quem promoverá o evento. Assim, no primeiro jogo pós-Copa do Mundo Fifa 2010, entre Brasil e Estados Unidos, a Rede Globo não o exibiu porque o início estava marcado para as 21h. Num jogo deste ano, também contra os EUA, a transmissão modificou toda a grade de programação da emissora, antecipando as telenovelas e o Jornal Nacional.

Da mesma forma ocorre com outros programas, caso da Fórmula 1, que tem como prioridade o telespectador europeu. Por conta disso, há corridas disputadas à noite (Cingapura) e que começam à tarde e terminam à noite (Abu Dhabi). Este ano, após muito tempo, a Rede Globo não mostrou uma corrida ao vivo, justamente a que foi realizada em Austin, no Texas (EUA), no dia 18 de novembro, que começou às 17h, mesmo horário das partidas do Campeonato Brasileiro de Futebol. De olho no mercado estadunidense, a Fórmula 1 se rendeu ao melhor horário para o público local.

Mercantilização do futebol

Por fim, o caso que gerava mais dúvidas: a Copa do Mundo Fifa 2014. Por ser realizada no Brasil, muitos achavam que ela poderia ocorrer nos horários mais comuns praticados no país, já por conta da Rede Globo. Porém, divulgada a tabela, vimos que é bem diferente, com partidas, inclusive, sendo realizadas em cidades nordestinas a partir das 13h. Os jogos serão realizados nos seguintes horários: 13h, 16h, 17h, 18h e 19h. Bem distantes das 21h50 comuns aos jogos televisionados das quartas-feiras. O estabelecimento destes horários foi muito questionado mundo afora levando em consideração a saúde dos atletas. O presidente da Confederação Europeia (Uefa), o ex-jogador francês Michel Platini, expôs que o motivo era claramente atender aos interesses das emissoras de televisão europeias.

Em resposta, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, e o secretário-geral da entidade, Jerome Valcke, à época responderam que a tabela foi definida junto também ao Conselho Médico da entidade, que não apontou problema algum para a saúde dos jogadores. Valcke chegou a usar o exemplo da Copa do Mundo Fifa 1986, realizada no México com partidas sendo iniciadas até às 11h, em cidades com mais de dois mil metros de altitude, por conta das televisões europeias. Só se esqueceu de dizer que o argentino Maradona, um dos craques daquela competição, reclamou publicamente de os interesses financeiros estarem acima da boa forma dos jogadores.

Para 2014, ao menos na primeira fase, as partidas do Brasil terão início: estreia às 17h numa quinta-feira, em São Paulo; às 16h numa terça-feira, em Fortaleza; e às 17h numa segunda-feira, em Brasília. Entretanto, geralmente há liberação no trabalho e nas escolas para que os brasileiros assistam aos jogos da Seleção em Copas. A grande final, no domingo 13 de julho de 2014, no Maracanã, será realizada às 16h, horário comum no país-sede.

A extensão da mercantilização sobre o futebol, dada paralelamente à aplicação das políticas neoliberais no mundo, se por um lado aumentou a expansão dos esportes, com grande destaque para o futebol, para outras partes do planeta e aumentou a atração de recursos financeiros para a organização e a administração dos mesmos, por outro, aumentou as interferências de fora do espaço esportivo na realização dos campeonatos.

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[Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos]