O cinema está morto. Vida longa à televisão! Pelo menos é o que pensa Andrew O'Hehir, crítico do portal americano
Salon, que lançou o desafio: o que você discute com os seus amigos, os filmes premiados pelo Oscar nos últimos cinco anos ou os episódios de sua série de TV favorita?
A ideia da supremacia da televisão norte-americana sobre o cinema não é nova, mas vem ganhando força nos últimos anos.
O que se discute é que a TV chegou à sua fase madura e, mais do que isso, é nela -e não no cinema, como ocorria no passado- que estão os projetos dramáticos mais inovadores do país, com roteiros autorais e sofisticados.
Ouvidos pela Folha, atores, produtores, roteiristas, críticos e acadêmicos corroboram essa percepção.
“O avanço tecnológico é a principal explicação para a revolução da TV. Mais canais significam mais escolhas e segmentação do público, com atrações incrivelmente atraentes para um grupo menor de espectadores”, diz Alan Sepinwall, um dos principais críticos de séries dos EUA, que acaba de lançar um livro sobre essa nova era, “The Revolution Was Televised” (a revolução foi televisionada).
Para Sepinwall, o cinema parou de fazer dramas sofisticados para “adultos pensantes” e se voltou para franquias de filmes de ação, deixando lacuna logo ocupada por séries como “A Família Soprano”, que iniciou o fenômeno, em 1999, e “Mad Men”.
A mudança de eixo se deve em grande parte à nova realidade econômica do país, que inibe riscos na produção de filmes -daí a avalanche de super-heróis manjados e efeitos especiais. Ao mesmo tempo, ficou mais fácil viabilizar projetos de TV, dada a oferta de canais e a demanda por produtos dramáticos.
“De repente, atores que faziam só filmes, como a Glenn Close, estão na TV [em 'Damages'], elevando a qualidade da programação”, afirma o ator Ted Danson. Veterano que estreou em séries em 1975, ele hoje está em “CSI”.
“A TV a cabo te permite falar o que quiser, de qualquer jeito. Você pode falar palavrão ou discutir temas picantes. Isso fez com que pudéssemos ir mais fundo”, diz.
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Texto sofisticado sustenta bonança das séries
Há quem veja no momento de bonança criativa da TV americana, com séries como “Mad Men” e “Breaking Bad”, uma era de ouro. O fenômeno gerou a migração de roteiristas, diretores e atores de teatro e de cinema para um formato que, até pouco tempo, era visto como menor.
Um sintoma disso é a assinatura de produtor executivo de Martin Scorsese na série “Boardwalk Empire”, sobre a máfia de Atlantic City. Entre os emigrados há nomes consagrados como Jessica Lange (“American Horror Story”), Dennis Quaid (“Vegas”) e Gary Sinise (“CSI: NY”).
Para alguns, o atrativo é fugir do lugar-comum.
“Passei os últimos 15 anos interpretando mães, porque no cinema, infelizmente, esses são os papéis que mulheres de 30 e 40 anos conseguem pegar. É um alívio interpretar uma mulher solteira na televisão”, afirma Elisabeth Shue, hoje em “CSI”.
“Quando comecei a trabalhar, TV não era nem uma possibilidade. Você simplesmente não fazia. Hoje, todo mundo quer estar em uma boa série. Até o Woody Harrelson e o Matthew McConaughey estão fazendo uma agora”, diz o ator Scott Caan, de “Hawaii Five-0”, que atuou em “Onze Homens e um Segredo” (2001) com George Clooney, referindo-se à vindoura “Two Detectives” (HBO).
O ponto central da onda migratória é o texto. O roteiro de TV deixou as fórmulas e hoje aposta em estruturas dramáticas complexas, que se espraiam por temporadas. A construção aprofundada dos personagens ganhou tanto peso quanto a trama comezinha do episódio da vez.
Em “Mad Men”, por exemplo, capítulos inteiros servem ao desenvolvimento de arcos dramáticos maiores, com tramas que transcendem aqueles 60 minutos.
Foi essa promessa de liberdade que atraiu o premiado dramaturgo Thomas Bradshaw para a televisão. Conhecido por peças com temas incômodos como o incesto, Bradshaw desenvolve um projeto de série para a HBO em parceria com a produtora de Oprah Winfrey, sobre o primeiro reitor negro de uma faculdade de artes.
“A TV dá muito mais espaço para a visão do autor. Em 'Mad Men' e 'Sopranos', eles realmente conseguiram executar isso. Eu me sinto afortunado por ter liberdade de criar um projeto do jeito que quero e acredito”, diz.
Ousadia
Zayd Dohrn vive experiência semelhante. O dramaturgo, quando morava em Nova York, chamou a atenção de executivos de TV, que assistiram às suas peças.
“Mais do que o cinema, a TV está aberta para gente que vem do teatro. Há autores como Aaron Sorkin ('The New room'), que veio de lá. As habilidades para escrever bem para o teatro e para a TV se sobrepõem”, acredita.
Hoje, Dohrn está produzindo, também para a HBO, o piloto da série “Babes in Beijing”, inspirado no livro de memórias de sua mulher.
“Muitos dos meus amigos, que são originalmente dramaturgos, estão escrevendo para a TV. É gente que há 15 anos não queria trabalhar com televisão, mas, agora, vê nela uma oportunidade para projetos mais interessantes e ousados”, diz Dohrn.
A onda de novos projetos que começou na TV paga transbordou e chegou aos canais abertos. Um exemplo disso é “Vegas”, exibida pela CBS, que tem entre os criadores Nicholas Pillegi, autor de “Os Bons Companheiros” (1990), de Scorsese.
O produtor Arthur Sarkissian, que não havia trabalhado em TV, diz que nem considerava a opção “série de rede” por achar que o seu projeto -sobre a Las Vegas dos anos 1960- perderia em termos de qualidade. “Quando tive a primeira reunião com o canal, vi que o padrão de qualidade seria o do cabo.”
A questão é saber o que vem pela frente. Thomas Brad Shaw diz não gostar da ideia de uma “era de ouro”. “Estar no ápice significa que o próximo passo é o declínio.”
Pelo que apontam estreias como “Girls”, escrita, dirigida e protagonizada por Lena Dunham, e “Homeland”, as perspectivas são boas.
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[Isabelle Moreira Lima, colaboração para a Folha, em Los Angeles]