Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Comunicação e integração

Difícil afirmar se é por consequência de fatores históricos ou reflexo do nosso tamanho territorial e econômico, mas, em geral, os brasileiros parecem demonstrar pouco interesse pelo que acontece nos outros países da América Latina. As discussões sobre os rumos políticos, sociais, culturais e comerciais da região ainda costumam ser bastante superficiais. Muitas vezes, nós mesmos esquecemos que também somos latinos e que este está longe de ser um atributo restrito aos que tem o espanhol como língua nativa.

Aqui, falarei especificamente do que acontece no campo da mídia, que teria tudo para registrar um nível mais avançado de diálogo. A maioria dos estudiosos e profissionais da área no Brasil ainda desconhece quem são os profissionais mais importantes ou quais os diversos casos interessantes de inovação no rádio, na TV, na mídia impressa e até na internet latino-americanas. Esse tipo de informação traria uma infinidade de novas formas de trabalho que poderíamos aproveitar rapidamente, dada a proximidade geográfica, e com menores custos, pois a nossa moeda está mais forte do que a dos países vizinhos. São vantagens que não podem ser ignoradas e despontam como motivos suficientes para deixarmos de ter somente os Estados Unidos e a Europa como referenciais.

Um diálogo mais intenso em toda a América Latina, seja entre os veículos de comunicação, seja entre os acadêmicos, também provocaria uma sensível melhoria nas práticas adotadas em toda a região, que se beneficiariam de uma base teórica mais adequada aos nossos costumes, de fluxos comerciais mais sólidos e de uma posição ainda melhor no valioso mercado de produção de conteúdo para audiências globais.

A latinidade que nos une

O passado de fortes crises políticas e econômicas, colonização, ditaduras, surtos inflacionários, além do presente marcado pela má distribuição de renda, são pontos em comum entre todos os países da América Latina. Cada uma dessas características, em maior ou menor grau, forçou o setor de mídia da região a modelar um jeito próprio de trabalhar. Nossos processos de produção, distribuição e programação de conteúdo são únicos e nunca poderão ser integralmente substituídos por práticas dominantes em outros mercados.

Por exemplo: faria sentido que todos os telejornais noturnos da nossa TV aberta fossem transmitidos num mesmo horário, às 18h30min, e só durassem 30 min? Não, mas esse é o padrão seguido há décadas pelas redes estadunidenses CBS, NBC e ABC. Por outro lado, para nós, latinos, faz sentido que os principais noticiários sejam transmitidos, em sua maioria, na faixa das 20h (com exceção do México, onde começam às 22h) e fiquem em torno de 1h no ar, ensanduichados por telenovelas diárias.

E, falando em telenovela, para nós ela representa muito mais que um gênero de programação: trata-se de um dos elementos culturais que melhor expressa a latinidade que une a executiva que trabalha na Avenida Paulista com a chola que vende frutas numa pequena cidade da Bolívia. Somos todos muito emotivos e relacionais, com sentimentos sempre intensos e incontidos. Por consequência, as histórias que prendem as audiências por aqui costumam ter mais romance. Os ingredientes são basicamente os mesmos em toda a região: o que muda são as medidas. Essa similaridade permitiu o desenvolvimento de um mercado continental de compra e venda de programas prontos que fez, por exemplo, Maria do Bairro ser um sucesso no Brasil e Roque Santeiro liderar a audiência também no Chile (mesmo que numa versão dublada).

Novos diálogos: telepanamericanismo

Hoje, tem-se ido mais além desse comércio de enlatados e cresce o intercâmbio de formatos: vende-se o know how, o modo de fazer. Essa tem sido a janela pela qual o diálogo entre os profissionais brasileiros e os outros latino-americanos vem novamente ganhando força. Na Cidade do México, por exemplo, gravam-se novelas a partir de roteiros originalmente escritos no Rio de Janeiro. Enquanto isso, produzem-se programas humorísticos em São Paulo com base em ideias nascidas em Buenos Aires. Não deixa de ser um certo resgate dos tempos pioneiros da televisão brasileira, quando faziam sucesso roteiros como El Derecho de Nacer, de Félix B. Caignet, e artistas como o Frei Mojica. Chamo todo esse movimento de telepanamericanismo.

A tendência é que essa integração latino-americana continue se aprofundando à medida que mais mercados amadureçam. Brasil, México e Argentina já são as principais referências há várias décadas. A Colômbia vem ganhando força com a entrada de players internacionais, como Fox e Cisneros. No Chile, o capital privado avança no controle de grandes veículos de comunicação. O Peru tem recebido novos investimentos em diversos setores da sua economia e, naturalmente, isso pode impactar o setor de mídia. Vale lembrar que a primeira telenovela com sucesso em escala continental foi produzida pelos peruanos: Simplesmente Maria, da Panamericana Televisión. Apenas a Venezuela, que era outro mercado tradicional, vem nitidamente perdendo espaço: Venevisión e RCTV transferiram praticamente toda a sua produção para a Flórida.

Por fim, faz-se necessário destacar exceções a esse certo desinteresse de que falei no começo do texto. No Rio Grande do Sul, são muitos os profissionais e acadêmicos que olham com atenção a comunicação nos outros países latino-americanos, como é o caso do professor Luiz Artur Ferraretto (UFRGS). Além disso, os principais órgãos da imprensa gaúcha acompanham de perto os acontecimentos políticos, econômicos e sociais no Cone Sul, com destaque para a Argentina e o Uruguai (que fazem fronteira com o RS). Outra exceção é a RedeVida: diariamente, o Jornal da Vida apresenta um giro com as notícias mais importantes do dia na América do Sul.

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[Fernando Morgado é professor convidado da ESPM-Rio e pesquisador de mídia e comunicação]