Horário de verão, público masculino, audiência evangélica. Estes são, a meu ver, os fatores que dão a Salve Jorge (Globo, 21h) os cerca de cinco pontos a menos na aferição média do Ibope em relação à sua antecessora, Avenida Brasil. O que, portanto, não justificaria a artilharia quase unânime dos críticos especializados à novela de Glória Perez, uma autora que devolve a narrativa das nove ao seu leito natural, que é a voz feminina janeteclaireana, depois das altas dosagens de testosterona das Carminha/Nina de João Emanuel Carneiro, e das frivolidades ambíguas de Tereza Cristina (Fina Estampa).
Salve Jorge (que, ao banir a vírgula do título, colocou o santo em perigo, pois a versão correta é uma saudação: “Salve, Jorge”) perdeu a fenomenal audiência conquistada por Avenida Brasil primeiro para o horário de verão; depois para a própria queda de público da TV (a audiência do Jornal Nacional é a menor da história). O público evangélico, tradicionalmente avesso às novelas da Globo, havia sido capturado por Avenida; antes mesmo da estreia de Salve, já se movimentava contra a referência ao santo católico/profano na chamada e, com toda certeza, não se deixou enredar por um protagonista devoto de São Jorge.
O telespectador masculino foi outro que abandonou o barco. Como diz o clichê, mulheres são de Vênus, homens são de Marte. Filmes de guerra para eles, romances com fantasia para elas. A ação contínua e clima beligerante de Avenida na sua pegada masculina cederam lugar a cenas afetivas, com as relações amorosas de Théo e Morena, Ziah e namoradas, embora Perez não descuide das tramas de suspense, atualmente indispensáveis. Equilíbrio entre sangue e rosas, mais delicadeza e sedução, parece ser a receita de Glória. Menos adrenalina, mais comoção.
“Bonzinhos” demais
Os críticos tentam encontrar no enredo da novela razões para a queda de audiência porque certos jornalistas costumam afundar quem está por baixo e glorificar os que estão no topo. Mas Glória Perez continua com a competência de sempre, abordando um tema atual (o tráfico humano) com as habituais concessões à imaginação; foi assim em O Clone (2002) e Caminho das Índias (2009), como também em América (2005), quando as diferenças de língua eram ignoradas como recurso ficcional. Características típicas de Glória estão agora irritando esses críticos, que a acusam de “falta de verossimilhança”.
É claro que isso se aplica a vários momentos do roteiro, mas, repito, trata-se de recursos ficcionais típicos da autora; e o mesmo não se pode dizer da composição de seus tipos populares: os moradores do Alemão de Salve Jorge são muito mais complexos que os planos personagens suburbanos do Divino, por exemplo, projetados por Carneiro: todos “bonzinhos” demais para serem reais.
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[Silvia Chiabai é jornalista]