A Sky, empresa de exploração de serviço de TV a cabo, tem divulgado o recurso “controle dos pais” no qual afirma que “você pode bloquear os programas e canais que considerar impróprios para a sua família”. No anúncio veiculado em sua programação, a empresa afirma que a TV a cabo no Brasil não tem restrição para a divulgação de programas. Isso significa que os canais fechados a qualquer hora podem divulgar, por exemplo, muito sexo e muita violência.
Mais que um anúncio de serviço da operadora, a Sky com tal discurso divulga – mesmo que a maioria dos telespectadores não perceba – uma ideologia perversa na produção e na difusão do conteúdo da televisão fechada. Perversa porque a empresa se exime das consequências do que divulga. Basta usar o controle remoto e o bloqueio de canal. Na prática, a empresa atesta que a influência da televisão sobre o comportamento de crianças e adolescentes angustiados pelo consumismo e erotizados diuturnamente, para citar dois efeitos, não é problema dela. É problema apenas dos pais, que têm o dever de controlar o que os filhos veem.
A responsabilidade por aquilo que os filhos assistem é mesmo dos pais. Esses têm que saber o que os filhos consomem, seja na TV a cabo ou na TV aberta, que tem minimamente regras de controle, como a classificação indicativa. Afinal, quem educa são os pais e a televisão tem outras funções não necessariamente educativas. Afinal muitos programas mais desinformam que informam; mais deformam que formam.
Legislação de telecomunicações
Mesmo que a TV a cabo não tenha restrição de conteúdo, basta lembrar os princípios constitucionais que regem a comunicação no Brasil. O artigo 221 da Constituição determina que a programação de rádio e de televisão deve atender aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Muitos podem dizer que a comunicação social não foi regulamentada, afinal nenhum governo – seja de tucanos seja de petistas – teve a coragem necessária para enfrentar o tema como ele merece. Outros podem afirmar que a regulamentação da TV não está prevista na Constituição Federal. Realmente, o capítulo da Comunicação Social trata da programação relativa às concessões públicas de rádio e TV. Aqui outro imbróglio ajuda a tumultuar o debate. A TV a cabo não está inserida nos dispositivos que regulam a radiodifusão no Brasil.
Por lobby, interesses obscuros ou ingenuidade mal intencionada, a exploração de serviços da TV fechada integra a legislação das telecomunicações. Isso mesmo, telefonia fixa, móvel e outros serviços do setor.
Controle remoto
A exploração da TV a cabo é regida pela lei 8.977, de 1995, e ratificada pela lei 9.472, de 1997, que “dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações”. Ou seja, TV a cabo está no mesmo patamar dos aparelhos de celular. Já a lei que regula a radiodifusão no Brasil é de 1962 (lei 4.117), de 50 anos atrás. Vale dizer, uma legislação caquética que não contempla os avanços tecnológicos da área nem os serviços não previstos na época em que foi elaborada. Quem perde e quem ganha com as operadoras de TV a cabo subordinadas às telecomunicações, e não à radiodifusão brasileira?
O discurso de que se não está satisfeito mude de canal, decididamente não ajuda a melhorar a qualidade da televisão brasileira. Não é por menos que – volta e meia – alguma entidade aciona a justiça contra programas de TV que promovem a discriminação ou patrocinam o preconceito, escondidos sob o manto da liberdade de expressão. Transferir a responsabilidade do que se produz unicamente para a audiência, ou seja, ao poder do controle remoto, é uma estratégia para amenizar a responsabilidade dos produtores de conteúdo e seu papel constitucional.
Em que pese a diversidade, a TV a cabo apresenta muito mais opções que a TV aberta, mas quantidade não é sinônimo de qualidade. Dada a programação da televisão no Brasil, incluindo os dois modelos, o controle remoto – como mecanismo para melhorar seu conteúdo – prova não ser o instrumento mais eficiente para melhorar o padrão televisivo no país.
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[Reinaldo César Zanardi é jornalista, mestre em Comunicação e professor de Jornalismo em Londrina, PR]