Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O negócio é ser do mal

Totia Meirelles nunca esteve tão feliz em ser odiada. “Graças a Deus. Estou sendo muito”, comemora a atriz, de 54 anos, que encarna a vilã Wanda de Salve Jorge. Responsável por traficar bebês e colocar jovens na prostituição, na trama de Gloria Perez, ela tem causado olhares de desconfiança nos poucos momentos em que circula pelas ruas.

“Outro dia, entrei no elevador e havia uma menina com uma criança. E ela falou: ‘Ai, você, não! Não olhe para ele que você vai levá-lo.’ Mas é tudo em um tom de brincadeira. Os porteiros da casa da minha enteada disseram que gostam muito de mim, mas que não vão me deixar chegar perto da Pilar, minha neta de seis meses. Eles ficam com medo de eu chegar perto das crianças”, conta. A personagem também já virou motivo de piada. “No carnaval, os maridos e namorados falavam ‘Leve minha mulher para ser traficada’. Eles veem como castigo.”

O ódio do público por Wanda tem consequências positivas. No começo deste mês, quando foi ao ar a cena em que a vilã leva uma surra de Lucimar (Dira Paes), a novela teve um de seus melhores índices de audiência a alcançou 39 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande SP). Totia ficou marcada pela sequência. “Eu fico roxa, pois caio de mau jeito, bato em algum lugar sem querer”, explica ela, mostrando as manchas no braço.

“Eu ia morrer boazinha”

Antes de conversar com o Estado, no Projac, a atriz encontrou Dira no corredor e comentou sobre a repercussão da cena. “Meus clientes queriam mais porrada. Na internet, estavam dizendo que era UFC”, diverte-se a intérprete de Lucimar ao lembrar as reações dos fãs nas redes sociais. Depois de apanhar três vezes na novela, Totia sabe que mais tapas estão a caminho. “Eu li no Twitter da Gloria que vai ter uma próxima. Acho que vou entrar no curso de autodefesa. Eu só apanho”, brinca.

A personagem também deixou marcas invisíveis na atriz, que fica mexida após gravar cenas em que Wanda rouba bebês e mata quem a atrapalha. “O atropelamento para mim foi muito forte. Quando passei por cima do corpo, que era um saco de areia, a sensação foi muito ruim. Quando eu contava como tinha sido a gravação, começava a chorar. Foi uma cena que me desestruturou”, relembra Totia, que se diverte nas cenas com revólveres. “Com essa coisa de arma e de ameaçar, eu brinco. Brincar de maldade é bom. No ar, é forte. Gravando, tem todo o sentimento. Mas quando corta, a gente morre de rir”, confessa.

A atriz jura que o problema da baixa audiência no início da novela não teve reflexos para o elenco. “A notícia chega porque a gente ouve todo mundo falar. Isso é tão normal. É minha quarta novela da Gloria e sempre foi assim. É uma coisa natural de novelas que estão começando até engrenar a história”, justifica. Ela considera Wanda um dos grandes feitos da carreira. “Falar que é divisor de águas é fato. Foi meu upgrade como atriz. Ultrapassei obstáculos. Nunca tinha feito uma vilã. É legal ver que eu posso fazer, as pessoas me enxergam diferente. E abre um leque para os próximos trabalhos. Todo mundo me via como boazinha, acho que ia morrer boazinha. Acho que é meu sorriso largo. Agora, estão vendo que posso ser uma boazinha mazinha”, aposta.

“Ela não chega amassada”

Na época em que a novela estava em pré-produção, ela teve contato com vítimas do tráfico internacional de pessoas e afirma que todas as situações mostradas na trama – incluindo a injeção letal que Lívia (Claudia Raia) deu em Jéssica (Carolina Dieckmann) – são reais. “No workshop, eu chorava ao ouvir as histórias. O que me incomodou é que a minha personagem iria causar isso tudo.”

Por causa do destaque no núcleo dos tráfico de pessoas na trama, Totia é uma das atrizes com mais cenas e, às vezes, vai ao Projac para fazer apenas uma sequência. “O único cenário no qual nunca entrei é a casa da Leonor (Nicette Bruno). E ela nunca me chamou para ir às festinhas dela”, faz graça. Wanda é figura fácil na ponte aérea Rio-Istambul, trajeto que os personagens de Salve Jorge fazem com frequência, e sua intérprete não estranha o fato de ela chegar impecável após uma longa viagem de avião. “Ela não chega amassada. Está no jatinho sozinha.”

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João Fernando, do Estado de S.Paulo