No intervalo de uma semana, estive em quatro eventos de promoção de novas atrações da televisão brasileira. Fui ao lançamento do canal Arte 1, da Band, e assisti à apresentação da nova grade de três emissoras, Cultura, Record e Globo.
Nos encontros, destinados a jornalistas, clientes e publicitários, um mesmo termo foi repetido à exaustão nos discursos de João Sayad, presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Saad Jafet, vice-presidente da Band, Alexandre Raposo, presidente da Record, e Carlos Henrique Schroder, diretor-geral da Globo: “programação de qualidade”.
Sayad talvez tenha sido o mais pragmático: “Não estamos, no século 21, na posição de ensinar ao público que música clássica é melhor do que música brega, ou que Mad Men é inferior a Deus e o Diabo na Terra do Sol. Seria pretensioso. O objetivo é oferecer diversidade, permitir que o público experimente”.
Exibir numa TV pública um produto comercial, mesmo que com a qualidade de Mad Men, pode parecer heresia, mas a Cultura já fez isso antes e não está sozinha. A PBS americana, por exemplo, exibe Downton Abbey, seriado inglês que no Brasil será visto no canal pago GNT.
Golpe baixo
Mais incômodo, para mim, soam discursos como o de Alexandre Raposo. “A Record tem o objetivo claro de fazer uma televisão de muita qualidade, com a vontade de fazer a melhor TV do Brasil”.
Tenho dificuldades de acreditar que ele ignore o cardápio recente do Programa do Gugu. Nos últimos dois domingos (17 e 24 de março), o apresentador dedicou 200 minutos à exploração das agruras de um anão, funcionário da emissora.
Uma semana antes de Marquinhos brilhar pela primeira vez, a “Ilustrada” havia registrado na capa: “Gugu Liberato afunda na audiência”. O Ibope do programa, naturalmente, disparou com a mistura de assistencialismo, humilhação e aberrações oferecidas.
No domingo seguinte, o anão voltou a monopolizar o programa. Casou com uma anã, teve lua de mel em um hotel e no final ganhou uma casa do apresentador.
Carlos Henrique Schroder, em sua primeira entrevista como diretor-geral da Globo, confirmou uma orientação que deu aos diretores da emissora: “Temos que oferecer produtos de relevância. Meta de audiência não pode ser a preocupação número um. Audiência é consequência”.
Ouvindo Schroder, pensei no Faustão. Com uma gincana disputada por cachorros de celebridades, o apresentador não resistiu ao “ataque” do anão da Record. A derrota sofrida no primeiro domingo pode ter estimulado ao uso de armamento mais pesado no dia 24. Apareceu, então, o “Homem-elétrico”, um sérvio que tem o poder de “controlar energia elétrica com as mãos”. Slavisa Pajkic, porém, foi atropelado por Marquinhos.
A julgar pelo CQC, a Band também promete emoções em 2013. O programa exibiu na segunda-feira (25) uma entrevista com o deputado José Genoino (PT-SP) feita por um ator-mirim, que se apresentou a ele como fã, com a ajuda do pai, que filmou tudo escondido. Um golpe baixo da pior espécie.
Não acho que estamos no fundo do poço, mas esses episódios mostram como é difícil falar de “programação de qualidade” na TV brasileira.
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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo