Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terrorismo televisivo

Quem tem um pouquinho mais de experiência acumulada – para não dizer anos de andanças neste vale de lágrimas – há de se lembrar da TV Itacolomi. A emissora, que por falta de concorrência nos anos 50 e 60 se manteve “sempre na liderança” (esse era o slogan), reinou nos lares mineiros por quase 15 anos.

Há quem espiche a supremacia do antigo Canal 4 por muito mais tempo. Afinal, do dia 8 de novembro de 1955, data da inauguração, ao fatídico 17 de julho de 1980, quando foi cassada a concessão, são quase 25 anos. No entanto, é preciso subtrair desses 25 anos a fase inicial, quando a TV Itacolomi era a única, mas poucas pessoas a sintonizavam por absoluta falta de televisores nas residências. E os últimos anos também foram de mínima influência, pois a TV Globo já começava a se expandir através da enorme rede de emissoras afiliadas – uma esperta estratégia de conquistar audiência e mercado sem investir quase nada.

Mas que a TV Itacolomi foi importante e fez história, ninguém duvida. Numerosos foram os profissionais que deixaram o rádio – que não acabou como os alarmistas previram, mas teve que se adaptar aos novos tempos – e até hoje mantêm carreiras vitoriosas na telinha. Não há espaço para a citação de tantos nomes, mas quem quiser saber um bocado de coisas sobre o velho Canal 4, deve recorrer ao livro TV Itacolomi Sempre na Liderança, escrito por José de Oliveira Vaz, que comandou a emissora durante uns 15 anos.

Notícia inventada

Lembro um episódio envolvendo o José Vaz. Na época esse incréu que vos toma o tempo escrevia a coluna diária “Microfone Aberto” no extinto Jornal de Minas. E, diante da iminência dos mineiros perderem a TV Itacolomi, redigi um texto denunciando os desmandos administrativos na emissora. Esses desacertos, inclusive atrasos no pagamento de salários, poderiam ser usados pelo governo para lacrar a emissora. Insatisfeito com as críticas, José Vaz, ainda superintendente da empresa, procurou a direção do jornal para se queixar do que ele considerava uma injustiça. E pediu um pouco de compreensão, pois, segundo ele, a situação não era tão séria e ninguém admitia a possibilidade da cassação.

Afonso de Araújo Paulino, dono do jornal, também achou que não era hora de remexer no caso. Pedido feito, pedido atendido, e o colunista foi tratar de outros assuntos na seara radiofônica e televisiva. Só que não foi possível salvar a TV Itacolomi, uma das poucas empresas ainda viáveis entre as muitas falidas do agonizante complexo de comunicação montado por Assis Chateaubriand. Detalhe: em 1960, Chateaubriand sofreu uma dupla trombose que provocou uma paralisia quase total, prendendo-o a uma cadeira de rodas até 1969, quando morreu. Não viveu, portanto, para ver o desmanche do império midiático.

José Vaz relembra no livro casos muito interessantes, sobretudo para quem estuda e se preocupa com a manipulação da mídia. Um deles é contado como se fosse apenas uma peraltice do jornalista Felipe Drummond. Ao falar sobre a influência da emissora, confessa: “Pude constatar isso na prática [ele se refere à audiência], sem precisar nem consultar os boletins do Ibope, através de uma brincadeira do saudoso Felipe Drummond, que trabalhava no nosso departamento de jornalismo.

Uma tarde o Felipe, que era um repórter extremamente competente e criativo, entrou em minha sala e disse que o nosso Jornal Bancominas estava muito insosso. Era preciso que naquela noite déssemos uma notícia de grande impacto. Eu não tinha outra resposta para dar ao Felipe, senão dizer-lhe que se a tal notícia de grande impacto acontecesse até a hora do noticiário ir ao ar, certamente a daríamos, como fazíamos sempre. Ele então me disse que já tinha a tal notícia. Me falou que no bairro Floresta, no Alto do Colégio Batista, havia um homem que estava atacando as moças da região. Já havia atacado duas e ele estava pensando em chamá-lo de ‘O Homem da Capa Preta’ [teria sido uma ‘homenagem’ a Tenório Cavalcante, político que aterrorizava a Baixada Fluminense?]. Eu quis saber detalhes, mas ele então, com um sorriso meio maroto, disse que não podia revelar mais nada porque acabava de inventar a notícia naquele exato momento e ainda precisava compor melhor seu delinquente. Rimos muito e resolvemos levar a brincadeira adiante, já que o homem existia apenas na fértil imaginação do Felipe”.

Naquela noite, prossegue: “Demos a notícia e, se não me engano, voltamos ao assunto mais duas ou três vezes. Como previu o Felipe, o impacto foi grande. As rádios e os jornais da cidade entraram no assunto, nossas linhas telefônicas ficaram congestionadas e recebíamos, diariamente, centenas de pessoas que vinham nos dar informações sobre ‘O Homem da Capa Preta’. Ele passou a ser visto nos mais diversos bairros da cidade. A repercussão foi tão grande que tivemos receio de que ocorresse pânico, principalmente na Floresta, e desmentimos a notícia. Essa brincadeira do Felipe Drummond que, no fundo, mostrava o perigo da manipulação da notícia por uma emissora de televisão de grande audiência, veio confirmar a credibilidade e a penetração que tínhamos. Não sei se o Felipe, ao criar ‘O Homem da Capa Preta’, queria apenas se transformar em um Orson Welles tupiniquim [referência à Guerra dos mundos, radiofonizada em 1938] ou se ele queria nos mostrar que estávamos lidando com um veículo tão poderoso que poderia manipular a opinião pública como bem entendesse. Embora eu nunca tenha perguntado isso a ele, pelo que tenho visto hoje nos noticiários [a redação do livro foi concluída em junho de 1992], acho que a sua intenção não foi apenas fazer uma brincadeira”.

Além desse, há outro bem estranho, vivido pelo ator Ary Fontenelle, que apresentava o programa Teatro de Suspense. Imagine na Belo Horizonte de antigamente alguém se matar diante das câmeras…

Detalhes? Não há mais espaço. O leitor pode conferir no livro.

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Hermínio Prates é jornalista e escritor