Integrante do Globo Repórter em seus primórdios, o cineasta Walter Lima Júnior assim define a experiência: “Nós não fomos fazer cinema novo na televisão. Mas, provavelmente, a gente foi fazer uma televisão nova”.
No momento em que o programa comemora 40 anos, recorro ao livro Depois da Revolução, a Televisão (Pedro e João Editores, 264 págs., R$ 59), no qual Igor Sacramento analisa o percurso de cineastas de esquerda no jornalismo da Globo nos anos 1970.
Nascida em 1965, a emissora em poucos anos conquistou a liderança com atrações de forte apelo popular, comandadas por Dercy Gonçalves, Chacrinha, Silvio Santos, Jacinto Figueira Jr. e Raul Longras, para não falar das novelas de Glória Magadan.
A pressão por “qualidade” vem não apenas da crítica dos principais jornais, mas também do governo militar, o que acelera o ritmo das mudanças. Em poucos anos, entre o fim da década de 1960 e o início dos 1970, a Globo se livra do seu pacote “popularesco” e aposta em um novo padrão.
O investimento no jornalismo é parte essencial dessa renovação. Vários programas novos surgem no período, entre os quais o Globo Repórter, destinado a produzir “documentários brasileiros sobre o Brasil”.
Gente como a gente
O programa, cuja primeira edição foi ao ar em 3 de abril de 1973, escreve Sacramento, “se desenvolvia mostrando uma preferência por abordar temas sociais, como a miséria, a desigualdade social e a luta por terra, que eram ignorados ou pouco tratados em outros programas jornalísticos”.
Além de Walter Lima Jr., Eduardo Coutinho, João Batista de Andrade, Maurice Capovilla e Hermano Penna assinam documentários. Embora não fossem maioria na equipe, eles emprestam prestígio ao programa –um bem valioso para a emissora naquele momento.
No início da década de 1980, sofrendo com a audiência em queda, a atração deixa de ir ao ar por alguns períodos e passa por reformulação importante. Coincidentemente, anota Sacramento, Chacrinha volta à Globo em 1982. Em lugar do modelo de documentário (sem repórter), o Globo Repórter aposta na grande reportagem com jornalistas do primeiro time aparecendo diante das câmeras.
Diferentes repórteres passam pelo programa, produzindo trabalhos de fôlego e alta qualidade, até meados dos anos 1990, quando nova reforma começa a dar a cara que o programa tem hoje. “Com o aumento significativo da audiência do público das classes C e D no final de 1996, o desafio passou a ser tratar de assuntos com apelo mais abrangente”, informa o site do programa. Temas como saúde, qualidade de vida, ecologia, turismo passam a dominar.
A reportagem que comemorou os 40 anos, exibida na primeira semana de abril, é exemplar: um programa muito bem produzido, mas panorâmico e superficial, sobre o Vietnã.
A certa altura, num cais, Glória Maria escorrega e cai. “Caí bonito. Não chegou a machucar, mas a roupa já era. E agora? Tenho que continuar trabalhando assim… Para mim, não tem nenhum problema. Vamos lá.”
A cena poderia ter sido cortada pela edição. Por que não foi? Como os demais apresentadores dos telejornais da Globo, Glória Maria é gente como a gente. Eis a mensagem que parece importante transmitir nos dias de hoje.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo