O diário O Globo (1/4), do Rio, publicou a declaração do diretor de programação da HBO, Michael Lombardo, que disse “não se importar com a pirataria gigantesca da série” Game of Thrones. E que, na realidade, ela representa uma forma de elogio. A matéria saiu primeiro na revista eletrônica Entertainment Weekly (31/03). Vamos seguir com a revista americana. É melhor lidar com uma fonte mais próxima do que com uma tradução de matéria estrangeira.
“Eu provavelmente não deveria estar a falar isso, mas é um tipo de cumprimento. A demanda está lá. E por certo não impactou negativamente a venda de DVDs. [Pirataria é] algo que vem junto com possuir um show de imenso sucesso em uma rede para assinantes”, afirmou um desassombrado diretor de programação da HBO, que está rindo à toa com seu show milionário, que fatura como nenhum outro. Mesmo amplamente “pirateado”.
O diretor revelou maior preocupação com a qualidade dos DVDs piratas do que com a pirataria em si: “Uma de minhas preocupações é com as cópias de quem faz os downloads porque os valores investidos na produção são imensos.” O executivo informou que a HBO não vai mudar sua posição antipirataria. Mas a fala do diretor de programação mostra que ele sabe diferenciar dois tipos principais de pirataria: o download doméstico, inofensivo (praticado pela maioria dos utentes), e a pirataria que chega em grande escala às ruas das grandes metrópoles do mundo. É a pirataria de massas que causa danos consideráveis as empresas e é com ela que a emissora mais se preocupa. Lombardo ainda tranquilizou os eventuais praticantes de downloads casuais da série da HBO: “Não vou chamar a polícia para o Game of Thrones.”
Explicação para a pirataria
O show estreou sua terceira temporada este ano com 4,4 milhões de espectadores. No ano passado, informou a Entertainment Weekly, foram feitos 4,3 milhões de downloads da série no mundo todo, contra uma média de 10 milhões de espectadores em todas as plataformas da HBO.
Outra demonstração de pirataria inofensiva aos lucros empresariais aconteceu com o livro Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Junior (Geração Editorial, 2011). O livro foi amplamente descarregado da web e mesmo assim vendeu uma enormidade. Pirataria doméstica eventual para uso pessoal não traz dano a produtores culturais. O problema maior, quando se discute pirataria e roubo de direitos autorais, é a não distinção entre os diferentes tipos de “pirataria”.
O Globo acredita que a série foi tão pirateada porque muita gente não tem TV por assinatura. A revista americana EW ofereceu uma explicação mais elaborada: “A popularidade do show se deve a muitos fatores, tais como a popularidade do show entre homens jovens (o show mostra desvios de 58% para homens e o fã regular tem 41 anos de idade) e a corrente estratégia de distribuição da HBO. Apesar dos assinantes da HBO poderem assistir Thronesonline pelo serviço HBO GO da emissora, o espectador só pode assinar a HBO através de um tradicional serviço a cabo ou provedor via satélite, e muitos fãs jovens de TV estão a optar por “cortar o fio” (cut the cord – expressão norte-americana criada para definir aqueles que já abandonaram a telinha em favor da Web TV).
Um homem inovador
Ainda há muita discórdia e posições irredutíveis na querela entre defensores incondicionais dos direitos autorais e o pessoal da licença livre, que apoia uma revisão radical das leis dos direitos autorais e da propriedade intelectual. São os defensores de “copyright” versus a turma do “copyleft”. Não há muito espaço para discussões racionais quando o assunto é perda de receita. Os donos das grandes companhias de entretenimento não querem ceder um milímetro sequer: se fazes eventualmente um download isolado em casa para lembrar os velhos tempos, ou se colaboras com a pirataria industrial de massas, para eles não há diferença: não passas de um ladrão, para os executivos das indústrias de cinema, games, software e outras atingidas pela revolução digital.
Eles esquecem que a internet é fruto de uma geração generosa. Sua linguagem de programação é deliberadamente fácil e está ao alcance dos utentes da rede. A grande rede segue a lógica dos hackers, e não foi projetada para transformar-se num grande empório de vendas virtuais. Mesmo que a realidade empírica presente infelizmente mostre o contrário, as marcas da gratuidade e da partilha fazem parte do desenho original da web, e não será um bando de gananciosos capitães da velha indústria que irá fazê-las desaparecer.
Michael Lombardo, diretor de programação da HBO, é um inovador homem de mídia. Sabe até onde vai o poder disruptivo das novas mídias digitais. Ele sabe que quem tem um produto a vender bem no mercado não precisa preocupar-se com downloads domésticos feitos para recreação. Eles não fazem concorrência às vendas dos produtos protegidos pelos direitos do autor. Ele sabe também que uma obra ruim, com vendas baixas, não perderá nada com cópias individuais caseiras para uso pessoal. Ao contrário: só tem a ganhar com a divulgação.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor